4 DE DEZEMBRO DE 2020
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sacrificou uma geração inteira de jovens para manter as colónias e recusar a independência aos povos há
demasiado tempo debaixo do jugo colonial.
Quase todas as pessoas eram analfabetas e submissas a estruturas de poder patriarcais e não seculares.
Na escola primária, os manuais, imutáveis, tinham mensagens de endoutrinamento e de enaltecimento do
ditador. Para prosseguir estudos, era necessário viver perto de uma cidade. Havia liceus para quem ia para a
universidade e escolas técnicas para os filhos dos trabalhadores. A escola era assumidamente reprodutora
das desigualdades sociais, e, utilizando uma expressão tão cara à direita, o elevador social nem sequer
existia.
No entanto, muitos foram aqueles e aquelas que resistiram, que lutaram na clandestinidade, que se
exilaram, que foram censurados, deportados, torturados, assassinados ou mortos, vidas de resistência e de
luta, que importa homenagear e perpetuar na memória e a pensar nas gerações futuras. Direta ou
indiretamente, com exclusão das elites apoiantes do regime, todos os portugueses e portuguesas têm
memórias vivas das dificuldades, da falta de liberdade e da opressão. Alguns estão aqui sentados.
São estes portugueses e portuguesas que temos de homenagear, perpetuando na memória coletiva a sua
luta pela liberdade.
Para isso, como dizem os peticionários, a prisão do Aljube, a Fortaleza de Peniche ou a sede da PIDE no
Porto, locais de tortura e de morte dos resistentes antifascistas, devem ser os centros interpretativos do que foi
a ditadura salazarista. O campo de concentração do Tarrafal deveria fazer parte deste conjunto. Nele sofreram
e morreram portugueses e muitos dos que lutavam pela independência.
A Assembleia e a Comissão Permanente já condenaram a criação deste centro interpretativo. Defendê-lo é
trair a memória de milhares de vítimas e dos milhões de portugueses e portuguesas que viveram sob o jugo de
umas das mais violentas, trágicas e longas ditaduras da contemporaneidade, bem como um agravo aos
portugueses e às portuguesas de hoje e, sobretudo, às gerações que hão de vir.
Por isso, o Bloco de Esquerda condena e condenará sempre qualquer tentativa de recontar a História
nesses termos e que traem as vítimas da ditadura salazarista e os portugueses em geral. Esperamos não
estar sozinhos nesta decisão.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosário Gambôa.
A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Cumprimento as Sr.as e os Srs. Deputados e faço uma saudação muito especial a todos os peticionários
que aqui se encontram, saudando neles o testemunho da memória dos milhares de vítimas do regime do
Estado Novo, uma memória que não pode ser obliterada ou esquecida.
A preservação do estudo da História é um dever cultural e político, pois é em torno da memória, do seu
lastro de valores, que se reconstrói e atualiza a identidade coletiva de um povo, de uma comunidade.
Neste contexto, é relevante que estendamos a nossa saudação aos diversos centros de investigação que
têm vindo, de forma sistemática e rigorosa, a estudar o Estado Novo, saudando os seus historiadores e
cientistas sociais, que preservam e trazem à luz a verdade escondida em arquivos feitos secretos,
contribuindo, com o seu trabalho, para pôr fim à dormência da ignorância, que alimenta a ideia de uma
ditadura como um autoritarismo bem intencionando, o «português suave» dos «brandos costumes», fazendo-
se, assim, cúmplice de atrocidades e crimes.
Quero saudar também os equipamentos museológicos, como o Museu do Aljube, a Cadeia da PIDE no
Porto ou o Tarrafal em Cabo Verde, edificados no lugar de sofrimento das vítimas e saudar os professores e
todos os que ensinam a aprender a democracia pelo estudo e compreensão dos erros, refletindo sobre a
responsabilidade que todos temos para que amnésia não se instale e os valores da ética democrática se
consolidem.