I SÉRIE — NÚMERO 26
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A história, Srs. Deputados, constrói-se pelo estudo de factos e da sua desocultação e análise crítica. E os
factos não são neutros. E menos neutros são os valores que inspiram uma conceção de vida e comunidade: a
liberdade e a democracia.
A petição que hoje se discute neste Plenário funda-se aqui, e concretiza-se nas críticas e suspeitas sobre a
pretensão de se criar em Vimieiro, Santa Comba Dão, um «centro de interpretação do Estado Novo», sediado
na antiga escola-cantina Salazar.
Segundo a Câmara Municipal de Santa Comba Dão e a ADICES- Associação de Desenvolvimento Local,
promotora do projeto em parceria com a CIM (comunidade intermunicipal), o mesmo tem por objetivo a
implementação no território de uma rede de centros interpretativos ligados à História e à memória política da I
República e do Estado Novo, que visa — passo a citar — «criar um conjunto de espaços de divulgação
histórica», convocando «um conjunto de recursos de enorme valor na memória de Portugal e da Europa», os
quais «constituem fatores determinantes de competitividade» e desenvolvimento local, agregando «o potencial
turístico do território».
Os proponentes declaram convictamente a importância deste projeto e que o mesmo não visa exaltar a
figura do ditador, mas, tão-só, divulgar a História numa perspetiva formativa e pedagógica. Por tudo isto,
chegados aqui, só podemos admitir que a pretensão, em si, é compreensível e os objetivos também, mas
talvez o caminho escolhido não seja o mais adequado.
Pouco ainda sabemos, à data, sobre a concretização real da referida rede no terreno e do seu programa e
conteúdos. Contudo, por enquanto, o núcleo irradiador ou fundador desta rede é o centro de interpretação do
Estado Novo, a concretizar em edifícios ligados à memória de António de Oliveira Salazar.
Independentemente dos méritos deste projeto específico, não nos parece prudente avançar com um centro
interpretativo sediado neste local e neste equipamento. E mais imprudente nos parece a iniciativa quando, na
atualidade, quer a nível europeu, quer a nível nacional, assistimos ao florescer de movimentos e ideologias
nacionalistas de cariz totalitário, cuja tendência para fazer do local um centro de peregrinação saudosista já se
manifestou no passado recente.
Afirmava, em setembro de 2019, um dos especialistas consultores do projeto, João Paulo Avelã Nunes:
«Sabemos que, perante ditadores de ditaduras que ocorreram há poucas décadas, não se fazem casas-
museus, a menos que se queira branquear».
Ora, será que o projeto acautela este facto evidenciado por um dos seus protagonistas?
Sem o desejarmos, podemos estar a incubar um ovo de serpente, numa rede que até pode e deve ser
virtuosa, se gerada fora desta conotação estreita e perigosa.
Valerá repensar estas interrogações à luz das lições que a própria História nos tem mostrado, evitando
revisionismos duvidosos que degeneram em higienizações, em naturalizações do mal, em berços de
«verdades alternativas», legitimados em emoções irracionais exaltadas.
Pode, e será até desejável, sim, a construção de uma rede de centros interpretativos da I República e do
Estado Novo, uma rede de conhecimento e testemunhos da nossa História, que resgate a memória do
combate permanente pelos valores da democracia e da liberdade, demonstrando a razão de ser e o valor
dessa luta, para que nos responsabilizemos pela continuidade e sentido que lhe damos no presente.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Grupo Parlamentar do CDS-PP.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saúdo, democraticamente, os perto de 10 400 peticionários que, em total liberdade, tomaram a iniciativa cívica de apresentar esta petição. E
liberdade é uma palavra-chave nesta discussão.
Como se recordarão e já foi aqui mencionado, esta matéria em discussão não é nova no Parlamento, já
veio aqui várias vezes. E creio ser relevante sublinhar, mais uma vez, que não há neste projeto a pretensão de
criar um museu evocativo ou laudatório do fascismo nem de exaltar a figura de Salazar. O que se pretende é