I SÉRIE — NÚMERO 32
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O Sr. João Oliveira (PCP): — É um aniversário discreto!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Um aniversário discreto!
Risos.
Ontem, o Sr. Presidente, na justificação de um pequeno lapso que teve na presidência da sessão, referiu-se
à sua provecta idade e eu não pude deixar de sorrir com inveja. A inveja fica agora redobrada e muito lhe
agradeço.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda empenhou-se plenamente nos trabalhos que
conduziram às mais recentes alterações legislativas ao regime do exercício de funções por titulares de cargos
políticos e de altos cargos públicos. Das muitas propostas que aí apresentámos, várias não vieram a ser
aprovadas, com especial destaque para a da regra da exclusividade no exercício das funções de Deputado. Não
só por isso, mas por uma razão de princípio, o Bloco de Esquerda entende que a afinação daquele regime é —
deve ser! — uma tarefa sempre em aberto porque o combate pela transparência em nome de uma democracia
que dê garantias de toda a confiança aos cidadãos tem de ser permanente e de ter a máxima exigência.
A malha dos potenciais conflitos de interesse deve ser concebida com tanta determinação quanta sensatez.
Sendo o bem a defender o da exclusiva dedicação do titular de cargo político ou alto cargo público à defesa do
interesse público, é por demais evidente que a previsão legal dos conflitos de interesse deve ser capaz de atingir
todas as situações em que outras fidelidades possam sobrepor-se àquela.
Há um limite para isso e bem o conhecemos. A determinação que temos de ter para que a lei cubra todas
essas situações de cumplicidade de grupo não pode servir de justificação para leis-medida, que visam pôr no
alvo algumas entidades concretas e não outras, disfarçando essa estratégia atrás de conceitos indeterminados.
Entendamo-nos bem: o conceito de «sociedades discretas» é um eufemismo para falar de Maçonaria e de
Opus Dei, e, ao usá-lo, o projeto do PAN perde ambição, porque estreita o campo que deve ser coberto. As
lealdades que colidem com o primado absoluto do interesse público estão muito longe de se limitar à filiação
formal numa dessas duas entidades. Há uma malha imensa de relações, formais umas, informais a maioria, em
que se geram culturas de proteção preferencial e de defesa de soluções em que o grupo se sobrepõe à
democracia. De sociedades de advogados a clubes de futebol, passando por tantas outras entidades, há redes
de afinidade ou mesmo de cumplicidade que, na sua informalidade, são o verdadeiro fundamento de muitas
propostas e de muitas decisões.
A limitação desta proposta do PAN às chamadas «sociedades discretas» é, por isso, redutora da ambição
que devemos ter para proteger a democracia da sua captura por grupos de interesse.
Mas há uma segunda escolha deste projeto que lhe rouba força na defesa do interesse público. Entre a
obrigação de declarar a filiação nas chamadas «sociedades discretas» e a faculdade de o fazer ou não, o PAN
escolheu esta, uma escolha que se arrisca a ser inócua. Primeiro, porque a legislação em vigor já contempla a
faculdade de o titular de cargo político ou alto cargo público declarar voluntariamente outros vínculos para além
dos cargos sociais que exerça e que sejam suscetíveis de gerar incompatibilidades ou impedimentos previstos
na lei. Depois, porque, ao deixar ao critério de cada um declarar ou não essa filiação, não garante ganhos de
transparência e talvez garanta perdas de bom nome a quem, não sendo membro dessas sociedades, não
declare por isso nada, ficando, apesar disso, envolto em suspeitas lamacentas que a faculdade enunciada ajuda
a alimentar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, concluo dizendo que o Bloco de Esquerda está do lado daqueles que
são coerentes na luta pelo primado do interesse público e contra a opacidade e o não controlo de laços e de
pertenças que o ponham em causa. Estamos do lado da máxima exigência a este respeito e, por isso, caso
venha a haver trabalho de especialidade desta iniciativa, o Bloco apresentará propostas que afastem dela
redundâncias e lhe acrescentem ambição e eficácia. A posição final que viermos a adotar está condicionada
pela incorporação dessas melhorias que consideramos imprescindíveis.
Aplausos do BE.