21 DE JANEIRO DE 2021
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Os dois principais canais privados de televisão anunciaram que, a partir desta época desportiva, deixaria de
haver programas de comentário desportivo com adeptos de clubes, invocando a linguagem tóxica e o clima de
guerrilha.
No mundo da justiça, este cordão sanitário é bem mais antigo. Em 2009, a Associação Sindical dos Juízes
Portugueses aprovava um compromisso ético em que os juízes rejeitavam a participação em órgãos associativos
ligados aos desportos profissionais. Faziam-no, invocando práticas nem sempre homogéneas e claras que são
incompatíveis com aquilo que deve ser a exigência de integridade de um juiz e referindo, ainda, a linguagem, o
ambiente emocional e as controvérsias que correm o risco de sujeitar um juiz a referências desprestigiantes e a
conotá-lo com situações pouco transparentes.
Desde aí, esta Associação defendeu a incompatibilidade da participação em órgãos associativos ligados aos
desportos profissionais. Essa incompatibilidade tardou, mas surgiu, quer para os magistrados judiciais, quer
para os magistrados do Ministério Público, em 2019, mediante duas leis aprovadas por este Parlamento. Esta
alteração, que procurava limitar o poder do futebol e reforçar as garantias de neutralidade, foi aprovada por
unanimidade. Na aplicação concreta desta lei, o Conselho Superior da Magistratura afirmou que a participação
de magistrados nestes órgãos poderá colocar em causa a dignidade e o prestígio da função judicial devido ao
ambiente conturbado de suspeição permanente quanto às ligações a essa modalidade desportiva.
Contudo, no Parlamento, este cordão sanitário ao futebol, embora essencial à salvaguarda da integridade do
interesse público, tem tardado a surgir. Já tivemos na comissão parlamentar com competência na área do
desporto um Deputado que ocupava o cargo de presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e,
fazendo um all in no conflito de interesses, um Deputado que acumulava a presidência da comissão com a
presidência da Federação Portuguesa de Futebol. Hoje, não chegamos ao ponto de ter Deputados com cargos
sociais no mundo do futebol a pertencerem à Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto, mas,
ainda assim, continuam a existir vários casos de Deputados que acumulam esta função com a de titulares de
cargos no mundo do futebol, para não falar nos jantares com presidentes de clubes que decorrem na própria
Assembleia da República.
Estas práticas, mesmo que não comportem conflitos de interesse tão graves como os que já vimos no
passado, não deixam de abrir a porta a que o amor ao clube se possa sobrepor ao compromisso para com a
defesa do interesse público, que deveria ser sempre a bússola no exercício do cargo de Deputado. Manter estas
práticas é penhorar ainda mais a imagem externa e a credibilidade do Parlamento perante a sociedade civil,
enquanto se dá ao mundo do futebol um certificado da probidade que há muito foi perdida. Não é compreensível
que o Parlamento continue a não fazer aquilo que exige aos magistrados.
Por isso mesmo, o PAN, mostrando mais uma vez que não tem medo de interesses instalados, desafia o
Parlamento a deixar de ir em futebóis e a aprovar esta proposta, que pretende que, a partir da próxima
Legislatura, se impeça um Deputado de ocupar cargos em órgãos sociais dos clubes de futebol, das suas SAD
(sociedades anónimas desportivas), da Federação e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo-lhe a atenção para o tempo.
O Sr. André Silva (PAN): — Resta saber se o Parlamento quer continuar preso a um mundo pouco
transparente ou se quer dar aos cidadãos condições que lhes permitam confiar, sem margem para dúvidas, na
integridade, na neutralidade e na independência dos seus representantes, face aos interesses privados que se
cruzam com o interesse público.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Almeida, do CDS-
PP.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, antes de começar a minha intervenção, gostaria,
em jeito de interpelação à Mesa, de invocar o artigo 27.º do Estatuto dos Deputados, porque tenho interesse
particular na matéria que está em debate com este projeto de lei pelo facto de ser Presidente do Conselho Fiscal
da Associação Desportiva Sanjoanense, que está na primeira divisão de hóquei em patins e de andebol. Apesar
de isso constar do meu registo de interesses, obviamente que esse facto faz com que seja visado diretamente
pelo projeto.