21 DE JANEIRO DE 2021
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Muito obrigado, Sr. Deputado António Filipe, pela defesa do
princípio, que tem sido muito maltratado, da presunção da inocência.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.
O Sr. PedroDelgadoAlves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que nos é convocado
aparenta ser um debate sobre o futebol e o impacto negativo do futebol, mas, na realidade, não é. Até vem à
memória a frase do famoso treinador do Liverpool, Bill Shankly, que dizia: «O futebol não é uma questão de vida
ou de morte, é muito mais importante do que isso».
Na realidade, transpondo essa frase para este debate, o que deveríamos ter era um debate sobre
incompatibilidades, impedimentos e conflito de interesses, que não é um debate de vida ou de morte, mas, na
verdade, é muito mais importante do que isso, porque é um debate sobre a instituição, as regras que a regem e
a forma como os mandatos são exercidos.
Portanto, em primeiro lugar, este não é um debate sobre o que achamos ou deixamos de achar sobre o
futebol, o mundo do futebol, os seus dirigentes, o que aí gostamos ou não gostamos. Portanto, não se trata de
saber se vemos poesia num golo de Eusébio, se vemos brilhantismo numa tática dos Cinco Violinos ou se
ficamos sem ar quando Vítor Baía faz uma defesa. O ponto não é esse, e o debate não deve ser sobre futebol.
Se o transformamos num debate sobre futebol, retiramos o debate de onde ele deve estar.
Também sabemos — e o Sr. Deputado André Silva disse uma coisa com a qual é possível concordar — que
hoje há um debate envenenado na opinião pública, e há programas televisivos que envenenam a forma como
os cidadãos se relacionam uns com os outros, que instigam ao ódio, instigam à diferença entre os outros e que
é aproveitado politicamente por alguns, e que, por isso, deve ser denunciado. Mas da denúncia à proibição vai
um caminho bastante diferente.
Portanto, ao contrário do que parece ser entendido, e na linha do que o Sr. Deputado António Filipe, com
correção, disse, este debate nem sequer vem formulado como podendo ser um debate sobre corrupção neste
contexto, ou sobre os dirigentes que são acusados de corrupção, ou sobre os dirigentes que, efetivamente, são
condenados por corrupção, porque transformá-lo, como foi transformado, num debate sobre suspeição
generalizada é tudo aquilo que não podemos fazer em democracia,…
Aplausos do PS.
… porque é um debate que assenta no princípio de que, à partida, por tocar numa área que, recordo, não é
ilícita, é associativa, é o exercício de um direito fundamental, é o exercício da capacidade de intervir na vida de
uma coletividade, que pode ser local ou nacional, que pode ser de futebol, mas pode ser de andebol ou de
canoagem, pode ser de qualquer outra modalidade, como, aliás, os registos de interesses dos Srs. Deputados
há décadas revelam. A quantidade de Sr.as e Srs. Deputados que participam, e participam corretamente, na vida
das suas terras, dos seus clubes, porque é uma atividade cívica que louvamos e valorizamos noutros momentos,
não podem agora ser rotulados com uma letra infamante na sua roupa com um F de futebol, como se isso
significasse que, com isso, estão desqualificados da participação pública.
Significa isto que não há um problema com os casos de corrupção? Não. Significa isto que a Assembleia da
República não deve atender à forma como resolve o problema? Também não. Mas a pergunta é esta: este é o
remédio eficiente? Não, também não é. Porquê? Porque o remédio eficiente é o que, em primeiro lugar, assenta
na transparência.
O Sr. Deputado André Silva referia a necessidade da transparência. Ora, o que nos traz hoje aqui a poder
dizer e a poder verificar quantos foram, quantos são e quantos serão titulares de órgãos sociais é precisamente
a transparência que é garantida através do registo de interesses de todas as Sr.as Deputadas e de todos os Srs.
Deputados, onde está registado quais as funções associativas que exercem. Essa via garante essa
transparência, que é a forma de os cidadãos controlarem e dizerem: «Não apreciei o facto de este Sr. Deputado
estar associado àquela coletividade ou à direção daquela coletividade e disso retirarei as ilações que deverei
retirar.» Eu, cidadão, livremente, não sou obrigado a fazer esse juízo por uma lei que se apresentaria como
inadequada.