I SÉRIE — NÚMERO 41
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Por outro lado, se continuarmos a olhar para a panóplia de instrumentos que temos ao nosso dispor, também
a incompatibilidade não é a forma adequada. O conflito de interesses e a forma de o revelar é a forma que
propiciamente serve para esta finalidade, como, aliás, ficou ilustrado, de forma bastante clara, pelo registo inicial
do Sr. Deputado João Almeida.
E mesmo que assim não fosse, se achássemos que o conflito de interesses não era necessário, há que
verificar, então, se a figura do impedimento e se, por exemplo, a intervenção em debates parlamentares ou em
estruturas de debate, em que, eventualmente, possa estar a ser discutida essa matéria, é pertinente ou não. E
não é isso que se faz: independentemente de, hoje, um Deputado ser membro da comissão que tutela o desporto
ou não, lá vai tudo com a mesma anatomização e a mesma marca infamante!
E vir recordar exemplos das décadas de 80 e 90, quando, claramente, os titulares de cargos políticos
perceberam que não podem ser presidentes da Federação Portuguesa de Futebol e titulares do mandato de
Deputado ao mesmo tempo, porque a opinião pública a isso os levou, é também fazer um debate com duas
décadas de atraso e não o debate que deveríamos estar aqui a fazer.
Para sermos claros, o que está em causa é o debate da liberdade de associação, que envolve a participação
nos órgãos sociais das coletividades. E sublinhe-se que seria a primeira vez na história da definição de
incompatibilidades e impedimentos que se traçaria uma incompatibilidade não em relação a uma atividade
profissional, mas em relação a uma atividade cívica e associativa. Esta é também uma linha vermelha que acho
que a Assembleia da República não pode nem deve querer atravessar neste momento.
Aplausos do PS.
Há também uma incompreensão na intermitência das coisas que aqui aparecem neste diploma. São as
competições profissionais, mas, aparentemente, já era o futebol todo e, aparentemente, não choca que um clube
de bairro, pequeno, um clube das distritais possa, eventualmente, até ser alvo de processos ou de investigação
por corrupção com a mesma acuidade que um clube de grande dimensão.
Se formos ver, por exemplo, casos de corrupção associados a apostas desportivas, vemos que os clubes
envolvidos nem sequer eram clubes profissionais. Se formos ver as transferências de jogadores de aqui para
acolá, vemos que não são, muitas vezes, provenientes de clubes que não estariam sequer abrangidos por esta
proposta, que até por isso se manifesta insuficiente.
E o que seria da realidade de um clube em função da sua posição e da sua capacidade desportiva se subisse
de divisão e, em função disso, ativássemos uma incompatibilidade ou incumprimento? Teríamos os Deputados,
seguramente, a ver o final de uma tabela, a ver se desce ou se sobe para ver se estavam impedidos,
incompatíveis ou não. Isto é burlesco demais e, regra geral, quando se torna burlesco torna-se manifesta e
potencialmente uma matéria que não é a melhor solução nem o melhor caminho jurídico.
Finalmente, temos tantas associações, tantas coletividades, tantas atividades e apenas esta foi anatomizada.
Isto é um erro, porque tanto podemos encontrar conflito de interesses no futebol como, por exemplo,
potencialmente, em dirigentes de associações de pais que estão na Comissão de Educação, em dirigentes de
associações culturais que estão na Comissão de Cultura, em dirigentes de IPSS que estão na Comissão de
Trabalho e Segurança Social e, citando o GatoFedorento, dirigentes do «Bigode» que possam estar na
comissão da tutela respetiva.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. PedroDelgadoAlves (PS): — Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, fundamentalmente, este é um debate
sobre a dignidade do Parlamento, sobre como encaramos cada representante e como encaramos a sua relação
com a sociedade civil. Por essa razão, não podemos acompanhar a proposta do PAN.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro
Filipe Soares do Bloco de Esquerda.
Faça favor, Sr. Deputado.