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I SÉRIE — NÚMERO 49

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os reformados e pensionistas pobres; os desempregados e trabalhadores em layoff; os trabalhadores e os

empresários precários; as crianças, os jovens, as famílias, os professores e os não-docentes, atropelados em

dois anos letivos; os que salvam vida e saúde; os que os ajudam a salvar; os que perdem vida e saúde; os que

perdem entes queridos, sem uma despedida, na doença e na morte; os que nos deixam, desejando regressar;

os que, em nós, se acolhem e ficam; e mais os que — e são todos —, perto ou muito longe, na Diáspora, nos

Açores, na Madeira, no Continente, nunca desistem de Portugal.

Portugueses, no dia 9 de março de 2016, Portugal vivia já a saída de uma dura crise financeira, económica

e social, mas a divisão entre os que haviam arcado com o Governo em crise e os que se lhe tinham oposto era

total, em ideias, em políticas, em legitimidade para se ser poder, em emoções.

A Europa, liberta da sombra da crise bancária, prometia crescimento e emprego e esperava que Portugal

não mudasse de rumo no reequilíbrio do Orçamento.

O mundo, empolgado pelos ideais da ação climática, da mudança energética, da liberdade de comércio e

do multilateralismo, acreditava que era tempo de ultrapassar fronteiras, de olhar de frente para migrações e

refugiados, de promover direitos humanos, paz e desenvolvimento sustentável.

Mais sonhos e menos medos.

O que se passou depois, sabemo-lo todos: o mundo foi outro, diverso do então esperado, com crescimento

económico, mas com menos ação climática, menos multilateralismo, menos tolerância em relação a migrações

e refugiados, mais guerra comercial, mais xenofobias.

Mais medos, menos sonhos.

A Europa, abalada pela saída do Reino Unido, foi, ainda assim, resistindo e reinventando-se, às vezes só,

nela própria, irrompendo aqui e ali mais medos e definhando, de quando em vez, mais sonhos.

Portugal continuou o caminho das contas públicas equilibradas. Fê-lo, acelerando compensações sociais e

reforçando o setor público, o que, sendo o programa dos novos governantes, se opunha ao rumo dos seus

antecessores.

Sairia do processo de défice excessivo em 16 de junho de 2017, depois de, em 2016 e em 2017, ter

enfrentado situações críticas na banca e na véspera de viver a primeira das duas vagas da tragédia dos

incêndios florestais.

Daria passos importantes no equilíbrio orçamental, na internacionalização, na área do digital, nas

exportações, no turismo, na inovação e nalguma mudança agrícola, sabendo, em vários domínios, aproveitar

caminhos antes desbravados.

Atenuaria suavemente a pobreza e algumas desigualdades sociais.

Reforçaria o seu prestígio e protagonismo externo — nas Nações Unidas, no Eurogrupo, na Organização

Internacional para as Migrações, nas Forças Nacionais Destacadas, nas missões solidárias, como em

Moçambique, na Cultura, na Ciência, no Desporto.

Iria, porém, adiando investimentos ou transformações mais profundas em competitividade empresarial, em

infraestruturas, na Administração Pública, no Serviço Nacional de Saúde e, em parte, na Justiça.

À entrada de 2020, mundo e Europa esperavam por outros ciclos, dependentes das suas lideranças

definidas ou assumidas no ano que terminou.

Portugal, com excedente orçamental e de novo em convergência económica com a Europa, esperava

encarar anos de crescimento duradouro, num ambiente político todavia muito diverso daquele de 2016, mais

fragmentado e mais complexo, conhecendo a chegada ao sistema de novas forças políticas e sociais,

anunciadas desde a Primavera de 2018.

Onde a economia deixava antever tempos mais propícios, a política sugeria tempos menos previsíveis.

Foi então que, há um ano, entre nós, começou a pandemia que não mais deixaria de fustigar tudo e todos.

Um ano demolidor para a vida e a saúde, para o emprego e os rendimentos, para os planos e as realizações,

para as comunidades, para as famílias, para as pessoas, para cada um de nós.

À pandemia na vida e na saúde, juntou-se a pandemia na economia e na sociedade.

O heroísmo deixou de ser coisa de um instante e passou a ser de um ano, quase interminável, mais difícil,

mais estoico, mais valioso. Por isso, é justa a indignação dos sacrificados pelas duas pandemias.

Mas também por isso é parcialmente injusta a recriminação feita a tudo o que não se antecipou, não se

evitou e não se resolveu. Nuns casos, era possível, noutros, não seria.