10 DE MARÇO DE 2021
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Os trucidados pelas pandemias têm o direito de ver o poder existente ao mesmo tempo como tábua de
salvação e como muro das suas legítimas lamentações.
Os responsáveis durante as pandemias só podem assumir tudo — o possível e o impossível — sabendo
que nada nem ninguém pode dar, a quem perdeu o irreparável, o que não tem preço nem tem retorno.
Portugueses, nenhum dos que aqui estivemos no dia 9 de março de 2016 terá antevisto o que é hoje o dia
9 de março de 2021, nem o confinamento lá fora, nem o distanciamento cá dentro, nem a esperança — apesar
de tudo — renovada e imbatível por um futuro melhor.
Pela primeira vez, em democracia, um Presidente da República toma posse durante um estado de
emergência, perante uma Assembleia da República que nunca deixou de funcionar, ao serviço dos
Portugueses. E, por essa determinação, agradeço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a VV. Ex.as, Sr.as e Srs.
Deputados, o exemplo de dedicação à democracia, nunca aceitando calá-la, nunca aceitando suspendê-la,
nunca aceitando fazê-la refém.
Que seja esta a primeira lição do dia de hoje.
Vivemos em democracia, queremos continuar a viver em democracia e, em democracia, combater as mais
graves pandemias. Preferimos a liberdade à opressão, o diálogo ao monólogo, o pluralismo à censura, e
demonstrámo-lo, realizando duas eleições em pandemia, de uma das quais resultou a subida da oposição ao
Governo. Isto é democracia.
Mas queremos, também, melhor democracia, onde a liberdade não seja esvaziada pela pobreza, pela
ignorância, pela dependência ou pela corrupção; onde a inclusão, a tolerância e o respeito por todos os
Portugueses — para além do género, do credo, da cor da pele, das convicções pessoais, políticas e sociais —
não sejam sacrificados ao mito do português puro, da casta iluminada, dos antigos e novos privilegiados.
Queremos uma democracia que seja ética e republicana na limitação dos mandatos; convergência no
regime e alternativa clara na governação; estabilidade sem pântano; justiça com segurança; renovação que
evite rutura; antecipação que impeça decadência; proximidade que impossibilite deslumbramento, arrogância e
abuso do poder. Assegurá-lo é a primeira prioridade do Presidente da República para estes cinco anos.
A segunda lição desta posse em estado de emergência é ainda mais evidente do que a primeira: vivemos
em pandemia sanitária. E, quanto a essa pandemia, que mudou radicalmente a nossa vida, sabemos todos o
que queremos: queremos encurtá-la e não alongá-la; estancar o número dos nossos mortos; baixar a
contaminação; ampliar a vacinação, a testagem e o rastreio, evitar nova exaustão das estruturas de saúde e
dos seus heróis.
Queremos desconfinar com sensatez e sucesso, reduzir o temor, reforçar a confiança, recuperar os
adiamentos nos doentes não COVID, estabilizar o Serviço Nacional Saúde, permitir, de forma duradoura, a
reconstrução da vida das pessoas.
Esta é a segunda prioridade — e a mais imediata— do Presidente da República para os próximos meses,
em espírito da mais ampla unidade possível, num tempo de inevitáveis cansaço e ansiedade.
A terceira missão prioritária do Presidente da República cobre não apenas 2021, mas também os anos que
se seguem. Durante esse tempo, inevitavelmente mais longo, teremos de reconstruir a vida das pessoas, que
é tudo ou quase tudo — emprego, rendimentos, empresas, mas também saúde mental, laços sociais,
vivências e sonhos.
É mais, muito mais do que recuperar, ou seja, regressar a 2019 ou a fevereiro de 2020. E essa é a terceira
lição deste ano. Para isso, queremos manter e aperfeiçoar as medidas para a sobrevivência imediata do tecido
social e do tecido económico e a sua mais rápida reconstrução.
Como queremos usar os fundos europeus? Com clareza estratégica, boa gestão, transparência e eficácia,
na resiliência social, na qualificação, na transição energética, no digital. Mas nunca esquecendo o que a
pandemia desvendou de problemas de fundo — de competitividade económica, de saúde, de solidariedade
social, de sua articulação — ou que convidou a revisitar: reforma administrativa, Justiça e luta contra a
corrupção, o papel das Forças Armadas, forças de segurança, proteção civil, bombeiros, descentralização —
toda aquela que os portugueses quiserem —, instituições de solidariedade social, movimentos associativos,
formas de trabalho.
Só haverá, porém, verdadeira reconstrução se a pobreza se reduzir, se os focos de carência alimentar
extrema desaparecerem, se as desigualdades se esbaterem, se a exclusão diminuir, se a clivagem entre
gerações e entre territórios for superada.