26 DE ABRIL DE 2021
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Foi um tempo que, para sempre, marcou a vida de famílias, de lugares, de aldeias, de vilas e mesmo de
cidades, de pátrias afirmadas como Estados independentes, após 13 anos, ou um pouco mais, de um tempo
ainda tão vizinho de nós e, todavia, já tão longínquo para tantas gerações.
Este, que não foi um tempo desprendido de outros tempos, foi o que foi, porque as décadas que o
precederam, o século que o precedeu, os cinco séculos que o precederam criaram ou prolongaram contextos
que o haveriam de definir e condicionar.
E, por isso, é tão difícil, dir-se-ia até impossível, explicar, qualquer que seja a visão de cada qual, esses 13
anos, ou um pouco mais, sem falar do Portugal dos anos 20 aos anos 70, do Portugal do final do século XIX
aos anos 20, do Portugal dos vários pequenos ciclos de que se fizeram o império colonial e as relações
coloniais nele vividas.
Por isso, é tão difícil olhar com os olhos de hoje e tentar olhar com os olhos do passado que, as mais das
vezes, não nos é fácil entender, sabendo que outros, ainda, nos olharão, no futuro, de forma diversa dos
nossos olhos de hoje.
Acreditando muitos, nos quais me incluo, que há, no olhar de hoje, uma densidade personalista, isto é, de
respeito pela dignidade da pessoa humana e dos seus direitos, na condenação da escravatura e do
esclavagismo, na recusa do racismo e das demais xenofobias, que se foi apurando e enriquecendo,
representando um avanço cultural e civilizacional irreversível.
Acreditando muitos, nos quais também me incluo, que o olhar de hoje não era, as mais das vezes, o olhar
desses outros tempos, o que obriga a uma missão ingrata, a de julgar o passado com os olhos de hoje, sem
exigir, em algumas situações, aos que viveram esse passado, que pudessem antecipar valores, ou o seu
entendimento, para nós, agora, tidos por evidentes, intemporais e universais, sobretudo se não adotados nas
sociedades mais avançadas de então.
Se esta faina é ingrata para séculos remotos, que não se pense que é desprovida de dificuldades para
tempos bem mais recentes. Continua a ser complexo entendermos tanto os olhares no fim do século XIX,
quando os impérios esquartejaram, a régua e esquadro, o continente africano, ou como os do começo do
século XX, quando o império monárquico passou a império republicano.
Mais óbvio é, pelo contrário, o juízo sobre o passado ainda mais recente, quando outros impérios
terminaram e o império português retardou, por décadas, o processo descolonizador, recusando-se a ouvir
conselhos da História e apenas extinguindo o indigenato nos anos 60, ou seja, uma dúzia de anos antes de
1974.
Este revisitar da História aconselha algumas precauções. A primeira é a de não levarmos as
consequências do olhar de hoje sobre os olhares de há oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois séculos, ao
ponto de passarmos de um culto acrítico triunfalista, exclusivamente glorioso, da nossa história para uma
demolição global e igualmente acrítica de toda ela, mesmo a que, a vários títulos, é sublinhada noutras
latitudes e longitudes.
Monarcas absolutos e, portanto, ditatoriais aos olhos de hoje — e foram a maioria — seriam globalmente
condenados, independentemente do seu papel na fundação, na unificação territorial, na Restauração, na
diplomacia europeia intercontinental.
Ou, então, monarcas e governantes do Liberalismo — que os houve —, prospetivos na história que fizeram
e refizeram no século XIX, às vezes com a singularidade improvável de um príncipe regente no Brasil, filho
primogénito do nosso rei, que declarou a independência dessa potência do presente e do futuro, sendo o seu
primeiro imperador, tendo vindo lutar pela liberdade e a morrer em Portugal, no mesmo quarto onde nascera,
35 anos, duas coroas e uma independência antes.
Ou mesmo personalidades do Liberalismo republicano importantes, no centro ou na periferia do império,
como Norton de Matos.
A segunda precaução é a de aprendermos a olhar, em particular quanto ao passado mais imediato, com os
olhos que não são os nossos, os do antigo colonizador, mas com os olhos dos antigos colonizados, tentando
descobrir e compreender, tanto quanto nos seja possível, como eles nos foram vendo e julgando e sofrendo,
nomeadamente onde e quando as relações se tornaram mais intensas e duradouras e delas pôde haver o
correspondente e impressivo testemunho.
A terceira precaução é a mais sensível de todas, por respeitar a tempos muito, muito presentes nas nossas
vidas e àqueles de nós, portugueses, que têm menos de 50 anos e não conheceram o império colonial, nem