26 DE ABRIL DE 2021
23
Aplausos do PS, do PSD, do PCP, do PEV, do CH e do IL.
Eis também porque é tão difícil o juízo sobre uma história tão recente, salvo naquilo que é de mais óbvio
consenso: o consenso naquilo em que o império não entendeu, isto é, o tempo que o condenara. A ditadura
não podia entender o tempo que a tinha condenado de forma irrefragável e, ainda mais evidente, a partir de
1958 e da saga de Humberto Delgado. A relação colonial não conseguira entender a raiz da inevitabilidade da
sua inconsequência.
Estas reflexões são atuais porque nada como o 25 de Abril para repensar o nosso passado, quando o
nosso presente ainda é tão duro e o nosso futuro é tão urgente. E, ainda, porque, a cada passo, pode ressurgir
a tentação de converter esse repensar do passado em argumento de mera movimentação tática ou
estratégica.
Num tempo que ainda é e será de crise na vida e na saúde e de crise económica e social, encaremos com
lúcida serenidade o que pode agitar o confronto político conjuntural, mas que não corresponde ao que é
prioritário para os portugueses e que, além de não ser prioritário, nestes dias de crises, é duvidoso que o seja
alguma vez.
É prioritário estudar o passado e nele dissecar tudo: o que houve de bom e o que houve de mau.
É prioritário assumir tudo, todo esse passado, sem autojustificações ou autocontemplações globais
indevidas, nem autoflagelações globais excessivas.
E, no caso do passado mais recente, assumir a justiça, largamente por fazer, aos mais de um milhão de
portugueses que serviram pelas armas o que entendiam, ou lhes faziam entender, constituir o interesse
nacional.
Aplausos do PSD.
E, também, aos outros milhões que, cá ou lá, viveram a mesma odisseia; aos milhões que, lá e cá, a
viveram, do outro lado da história, combatendo o império colonial português, batendo‐se pelas suas causas
nacionais, ou a viveram do mesmo lado, mas que ficaram esquecidos, abandonados por quem regressou e
condenados por quem nunca lhes perdoou o terem alinhado com o oponente.
E ainda aos muitos — e eram quase um milhão — que chegaram rigorosamente sem nada, depois de
terem projetado uma vida que era ou se tornou impossível; aos muitos — e eram milhões — que sofreram, nas
suas novas pátrias, conflitos internos herdados da colonização ou dos termos da descolonização.
Até por respeito para com todas estas e todos estes, que se faça história e história da História, que se
retirem lições de uma e de outra sem temores nem complexos, com a natural diversidade de juízos, própria da
democracia.
Mas que se não transforme o que liberta, e toda a revisitação o mais serena possível liberta ou deve
libertar, em mera prisão de sentimentos, úteis para campanhas de certos instantes, mas não úteis para a
compreensão do passado, a pensar no presente e no futuro.
O 25 de Abril foi feito para libertar, sem esquecer nem esconder, mas para libertar. Os que o fizeram
souberam superar muitas das suas divisões, durante a Revolução e depois dela, a pensar na unidade
essencial da mesma Pátria.
Tomando os termos simplificadores desses tempos, sensibilidades diferentes no Movimento das Forças
Armadas, que se chocaram então, não deixaram de entender, depois, que a unidade essencial de uma rutura,
depois feita Revolução, ela própria composta de várias revoluções, tudo o mais sobrepuja.
Nações-irmãs na língua têm sabido encontrar‐se connosco e nós com elas e têm sabido julgar um percurso
comum, olhando para o futuro, ultrapassando séculos de dominação política, económica, social, cultural e
humana.
Que os anos que faltam até ao meio século do 25 de Abril sirvam a todos nós para trilharmos um tal
caminho, como a maioria dos portugueses o tem feito nas décadas volvidas, fazendo de cada dia um passo
mais no assumir as glórias que nos honram e os fracassos pelos quais nos responsabilizamos e, bem assim,
no construir, hoje, coesões e inclusões e no combater, hoje, intolerâncias pessoais ou sociais.