I SÉRIE — NÚMERO 63
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Há pouco, o Sr. Deputado Duarte Pacheco, em resposta a uma pergunta que lhe coloquei a propósito da sua
declaração política, referiu que a minha pergunta encerrava uma visão ideológica, porque eu queria tudo para o
Estado. Ora, aqui, nem sequer estamos nesse patamar, porque do que estamos aqui a falar é de o Estado pagar
mas o banco ser privado. O problema é esse, é que o Estado está a pagar e vai continuar a pagar até aos 8000
milhões de euros — aliás, já está perto desse valor…
O Sr. João Dias (PCP): — Já vai em 9000 milhões de euros!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — … — e, no final, o banco será privado. Isto não lhe faz confusão? Quando o Novo Banco diz que, para o ano, vai anunciar lucros, não lhe faz confusão que, enquanto houve prejuízo, tenha
sido o Estado a pagar, mas um dia, quando houver lucros, estes serão do privado?
Ouvi hoje, pela primeira vez, o PSD falar de controlo público, na declaração política que fez. Portanto, a
pergunta que quero deixar aqui no ar é se o PSD tira alguma conclusão das afirmações que faz e da leitura que
faz do relatório do Tribunal de Contas. É que a única conclusão que se pode daqui retirar é que, neste momento,
o que é preciso é não só não entregar mais dinheiro ao Novo Banco mas também ir buscar aquele que já lá está
e pôr o banco ao serviço da economia nacional, garantindo o seu controlo público.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr. Deputado. E tenho a informá-lo de que há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, porque, a partir do momento em que se abre uma exceção, tem de
ser para toda a gente.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Alves, agradeço o facto de ter trazido, mais uma vez, este tema a debate, até porque há vários aspetos que merecem tempo para serem
discutidos.
Há uma questão que raramente foi falada, porque é relativamente complexa, mas que tem de ser falada. É
que a carteira de ativos tóxicos gera as perdas que são garantidas pelo Estado. Mas, para aceder a essas perdas
como garantia, como injeção de capital, o banco tem de ter uma insuficiência de capital. E, para o banco
conseguir ter essa insuficiência de capital, qualquer decisão de gestão conta. Quando o banco decide adotar
uma norma contabilística x, em vez de y, isso impacta o capital. Quando o banco decide investir em dívida
pública dos Estados Unidos da América ou do Brasil, isso impacta o capital. Quando o banco decide atribuir
prémios, isso impacta o capital. Todas as decisões do dia a dia determinam se a injeção pública será maior ou
menor.
Ora, estas decisões de gestão nunca foram escrutinadas e a auditoria não diz nada sobre elas. E é por isto
que este contrato é ruinoso e dá à gestão privada todo o poder para manipular o contrato
E isto sem falar noutro «monstro», muito difícil de discutir, que é a questão dos DTA (Deferred Tax Assets),
ativos por impostos diferidos, regime através do qual o Estado português entregou centenas de milhões de euros
«de mão beijada» como injeção de capital ao Novo Banco, para além desta injeção, sem poder exercer os seus
direitos de propriedade, porque está escrito no contrato de venda que o Estado pode pôr as centenas de milhões
de euros mas não pode transformar essa participação em capital. E isso obviamente é benefício do acionista
privado.
Portanto, é lógico que o contrato é ruinoso, é óbvio que o Estado já pagou o banco e que ele devia ser público
e também é óbvio que o banco já cumpre rácios de capital e que essas exigências hoje já não existem por causa
da pandemia.
A minha pergunta é se espera que, depois dos discursos inflamados que ouvimos hoje na Assembleia,
quando o Parlamento for chamado a votar mais uma vez sobre se a injeção se faz ou não se faz, consigamos
impedir essa injeção de capital, apelando à coerência dos partidos que, no passado, mantiveram a situação do
Novo Banco tal como ela é hoje.
Aplausos do BE.