21 DE MAIO DE 2021
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Neste minuto liberal, queria começar por recordar que não há salvaguarda da liberdade individual sem escrutínio
e que não há escrutínio sem livre acesso a dados. Portanto, o princípio dos dados da Administração Pública
abertos é fundamental, quer na prevenção de abusos, quer no diagnóstico e resolução de problemas.
A pandemia da COVID-19 foi disto um bom exemplo. Inicialmente, não foram, se bem se recordam,
disponibilizados os dados e até um projeto de resolução que o Iniciativa Liberal apresentou nesse sentido foi
rejeitado pelo bloco central. Hoje, todos reconhecem que a divulgação destes dados, de forma aberta, foi
essencial para que se percebesse melhor o problema, se viesse a controlá-lo e, finalmente, a resolver.
Esta proposta de lei do Governo que hoje discutimos, ao prever o pagamento de taxas para aceder a dados,
é contrária ao princípio dos dados abertos. Mais: a proposta é contrária ao espírito da diretiva que pretende
transpor, a qual estabelece, claramente, um princípio de gratuitidade dos dados.
A limitação é intencional porque o Governo altera expressamente a disposição que determina que, aquando
da reutilização só poderá ser cobrada taxa que cubra custos de produção e de envio, passando esse limite
taxativo, nesta proposta, a um «dever, em princípio». A isto somam-se disposições sobre possíveis isenções
que, verdadeiramente, escancaram a porta a arbitrariedades.
O título desta proposta de lei está, portanto, errado: não é sobre dados abertos, é sobre dados «a pedido».
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Magalhães, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O dia de hoje é marcante porque o Plenário da Assembleia da República assume as responsabilidades que cabem ao
Parlamento no que diz respeito a uma estratégia nacional de dados — algo de que é preciso falarmos mais —
devidamente alinhada com a correspondente estratégia europeia.
A proposta vem no momento certo e tira partido do trabalho de muitos meses de alguns dos nossos melhores
peritos, com quem tive, aliás, em 2016, a convite da Secretária de Estado Fernanda Rolo, ocasião de contactar
e trabalhar quando se preparou a iniciativa de ciência aberta.
No âmbito desta proposta, estamos a discutir coisas muito mais amplas do que a ciência aberta, estamos a
discutir toda a galáxia de entidades com informação pública, razão pela qual gostaria de dizer à Sr.ª Secretária
de Estado Fátima Fonseca que tem pela frente uma tarefa formidável e tem todo o nosso apoio para a levar a
cabo com êxito.
Por um lado, temos diretivas europeias, e até regulamentos, o que nos facilita bastante o trabalho — não
precisamos de resoluções, temos regulamentos. Temos regulamentos europeus a disciplinar aspetos
fundamentais, como a proteção de dados, o RGPD, muito falado, mas também o menos falado mas igualmente
essencial regime dos dados não pessoais, ou seja, o Regulamento (UE) 2018/1807, de 14 de novembro, que
garante uma alteração radical do panorama nessa matéria.
Este é um debate que exige pedagogia e consagração legislativa de conceitos novos, e não sonhávamos
com eles quando fizemos a II Revisão Constitucional e consagrámos expressamente o conceito de
administração aberta. Estávamos numa era pré-digital, nas vésperas da época digital, mas era basicamente de
papel e de umas disquetes que se tratava.
Hoje, a confusão é fácil: felizmente, os meios são inacreditavelmente mais amplos, mas há confusões do tipo
«os dados ambientais da minha rua não são dados de carácter pessoal, embora digam respeito a pessoas, até
a animais e a objetos que se movem como máquinas».
Quando depositámos na internet milhares e milhares de páginas de debates parlamentares, desde as
Constituintes, desde a Constituição de 1822 até à atualidade, depositámos na net nomes e nomes e nomes e
nomes. Mas imaginem o que seria depositarmos, entre parênteses, três pontinhos, ou seja, o senhor AG —
talvez Almeida Garrett! — interpelou o senhor FG — sabe-se lá o quê! — sobre o tema… Isso tornaria a História
numa charada, e isso não pode ser.