24 DE JUNHO DE 2021
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não seria o Victor Hugo, certamente, nem seriam alguns dos nossos melhores especialistas, seria o povo
português, soberano na decisão que tem de tomar em matéria de justiça.
Sr. Deputado Telmo Correia, vou apenas dizer-lhe o seguinte: não é verdade que esta proposta seja
equivalente, porque ela transforma duas coisas muito importantes: uma, o motivo, que tem de ser sempre
apresentado para o enriquecimento injustificado; a outra, a remissão para a legislação fiscal, nomeadamente
para as manifestações de fortuna, artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária. Esta remissão pode permitir contornar
não só a identificação do bem jurídico como pode permitir, além disso, que a presunção de inocência não fique
tão gravemente afetada e que consigamos fazer, efetivamente, uma criminalização do enriquecimento ilícito.
Esta é uma proposta possível. Há outras, que discutiremos, mas queria recordar os Srs. Deputados que se
houve proposta que foi primeiro anunciada que viria no dia 23 ao Parlamento — foi conhecido de todos, foi
tornado público —, foi a de que o Chega traria o enriquecimento ilícito a esta Câmara, neste dia. Por isso, não
venham dizer que o Chega usou um truque para vir aqui trazer o enriquecimento ilícito e jogar com ele, porque
já estava há muito anunciado e não há ninguém nesta Câmara que não soubesse que o Chega iria discutir o
enriquecimento ilícito neste dia.
Quem fez um truque foi o Governo e o Partido Socialista, e todos caíram nele, pois, mais uma vez, o que
vamos fazer é aprovar, ou não, uma estratégia contra a corrupção que de enriquecimento ilícito fala zero! Se
aprovarmos a estratégia do Partido Socialista, é o pior golpe que damos na luta contra a corrupção em
Portugal.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma nova intervenção, tem a palavra a Sr. Deputada Cláudia Santos, do PS.
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não é verdade que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não tenha nenhuma iniciativa legislativa. Tem uma iniciativa legislativa sobre
ocultação de riqueza nos moldes que são possíveis face à Constituição que, felizmente, temos.
Houve, todavia, um aspeto que me pareceu relevante na intervenção do Sr. Deputado, quando afirmou,
dirigindo-se ao Sr. Deputado do PAN: «Quando quiser coerência, fale com o Chega». Curiosamente, não disse
«Quando quiser coerência, fale com o Sr. Deputado André Ventura», o que nos abre um espaço de debate
interessante, porque o Sr. Deputado André Ventura não gosta que se cite Victor Hugo, mas talvez possamos
citar o Sr. Professor André Ventura, com quem eu tinha a esperança de hoje debater política criminal, porque
este é um agendamento sobre política criminal.
O Sr. Deputado André Ventura tem uma dissertação de doutoramento cujo subtítulo é, precisamente: Os
maiores desafios para a legislação processual penal.
Como o Sr. Deputado não gosta de Victor Hugo, vou então citar o Sr. Dr. André Ventura: «Os países
ocidentais produziram uma quantidade incrível de nova legislação sobre a luta contra a fraude fiscal, o
branqueamento de capitais e a corrupção. Um caso paradigmático é Portugal. Um país do sul da Europa, com
práticas de corrupção profundamente enraizadas, que nos últimos seis anos fez uma verdadeira revolução
paradigmática na supervisão bancária e na luta contra a evasão fiscal» — página 25.
Depois, na página 29, diz: «Até países como Portugal ou a Irlanda conhecem propostas legislativas cada
vez mais duras e inflexíveis relativas aos direitos fundamentais».
Mais à frente, na página 119, diz: «A razão desse fenómeno de hipercriminalização contra os direitos
humanos reside num contexto social acrítico de legitimidade que, na verdade, explica a aprovação pelos
parlamentos nacionais, no direito penal e no processo penal, de medidas altamente restritivas de direitos
fundamentais, sem qualquer justificação». Dizia o Sr. Deputado, e repito: «medidas altamente restritivas de
direitos fundamentais sem qualquer justificação» — página 119.
Na página 121, diz: «Estas mudanças revelam, tanto em Portugal como em Espanha, um progressivo
enfraquecimento do direito à liberdade».
Diz, na página 146, que: «Os valores fundamentais e os princípios dos modelos de processo penal estão
em perigo».
Depois — vou concluir, para não ser muito maçadora — diz, na página 209: «Parece evidente que há uma
aniquilação progressiva e extensa dos direitos fundamentais em aspetos básicos da vida dos cidadãos». E
conclui: «As alterações legislativas em países como Portugal, Espanha, Irlanda, Estados Unidos minaram a