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28 DE OUTUBRO DE 2021

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Comecemos, então, em 2015. Em 2015, houve uma negociação que durou semanas, quase dois meses,

entre o Governo e os partidos à esquerda. Dessa negociação saíram documentos escritos que comprometiam

o Governo e os grupos parlamentares dos partidos à esquerda do Partido Socialista com medidas a implementar

ao longo de vários anos, e, no caso particular do Bloco de Esquerda, para garantir que continuaríamos a

trabalhar em conjunto e para dirimir as divergências que tínhamos em cima da mesa, com a criação também de

grupos de trabalho, que perduraram durante várias sessões legislativas, sobre matérias fundamentais, a saber:

trabalho, pensões, dívida pública, finanças.

Desse processo, resultou um diálogo permanente. E não estou a exagerar quando digo que tínhamos

reuniões semanais em todas essas sessões legislativas para avaliar as propostas do Grupo Parlamentar do

Bloco de Esquerda, as propostas de outros grupos parlamentares, as propostas de lei do Governo, a vontade

de cada uma das partes em cada um dos debates que estavam em cima da mesa.

Mas em 2019 tudo mudou. O Governo deixou de querer ter um acordo escrito que fosse identificador de um

rumo para o País e preferiu uma negociação pontual, medida a medida, ponto a ponto. Reuniões semanais

deixaram de existir e o diálogo com a esquerda ficou, apenas e só, resumido ao debate orçamental.

Por isso, é até estranho que seja o Primeiro-Ministro o primeiro a perguntar: mas porque é que não separam

o Orçamento do Estado das outras matérias? Isto quando foi exatamente o Sr. Primeiro-Ministro que disse à

esquerda que a única coisa que queria dialogar com ela era o Orçamento do Estado e no período orçamental,

porque, durante todo o resto do ano — e, repito, durante todo o resto do ano —, não havia mais nada que

quisesse dialogar.

E como se viu, e como se vê, neste Parlamento, o PS votava tantas vezes, mas tantas vezes, mais ao lado

da direita do que dos partidos da esquerda.

Protestos da Deputada do PS Hortense Martins.

Mais: muitas das vezes — de forma cínica, nós sabemo-lo —, a direita, e o PSD em particular, abstinha-se

nas propostas do Bloco de Esquerda e quem as chumbava com um voto contra era o Partido Socialista. Vimos

isto em matérias tão fundamentais como a lei do trabalho, onde até, curiosamente, quem se entendeu com o

PSD foi o PS para introduzir medidas lesivas dos direitos dos trabalhadores, mas vimos isso também em algo

que é estrutural na forma como um Governo se relaciona com o Parlamento. É que se em 2015 se disse que o

Parlamento tinha uma centralidade tal que garantiu ao Sr. Primeiro-Ministro António Costa que tinha um

Governo, o que a seguir o PS fez foi juntar-se ao PSD para retirar centralidade ao debate parlamentar e acabar

até — imagine-se! — com os debates quinzenais no Parlamento.

Não são coisas menores. São posturas, são formas de estar com esta nova realidade pós-2019. E, permitam-

me a opinião, são formas de estar mal, com os resultados eleitorais de 2019 que, contra a vontade do Partido

Socialista, não lhe deram uma maioria absoluta.

Mas vamos também ao conteúdo, porque o conteúdo é muito mais importante do que o processo. A

geringonça, criada em 2015, não foi feita nem com chantagens, nem com medo. A geringonça não foi filha de

qualquer ultimato. Ela começou contra a vontade europeia, que ameaçou o País. Creio que se lembrarão de que

ameaçou o País, em 2016, por não aceitar, nessa altura, a política de reposição de rendimentos. E é curioso

porque, nessa altura, o Sr. Primeiro-Ministro não se deixou amedrontar, nem teve sequer medo de como ficaria

a sua reputação nas instâncias europeias. Nessa altura, o Sr. Primeiro-Ministro, o Governo e os partidos à

esquerda enfrentaram a Europa para devolver rendimentos, rendimentos do trabalho.

Mas agora tudo parece diferente. Em 2019, o que era negociação passou a ter uma toada de imposição e a

falta de diálogo que passou a imperar à esquerda não foi só com o Bloco de Esquerda, não foi só numa lógica

parlamentar, pareceu transformar-se também numa falta de diálogo com o País. Por isso, olhemos para o

conteúdo deste Orçamento do Estado.

Só essa falta de diálogo com o País é que, por exemplo, justifica que uma matéria tão central nos dias de

hoje como a crise energética e dos combustíveis não tenha qualquer resposta no Orçamento do Estado. O

Governo, que não dialogou à esquerda, também não dialogou com o País.

É por isso estranho que, chegados a este dia, ao dia em que se vota o Orçamento do Estado para 2022, o

Governo teime em sinalizar ao País uma crise política com base em rejeitar propostas à esquerda sobre

pensões, trabalho e saúde — é incompreensível!