10 DE DEZEMBRO DE 2021
5
Aí suscita-se uma questão mais substancial: corresponde tal visão mais radical ou drástica ao sentimento
dominante na sociedade portuguesa? Ou, por outras palavras: o que justifica, em termos desse sentimento
social dominante no nosso País, que não existisse em fevereiro de 2021, na primeira versão da lei, e já exista
em novembro de 2021, na sua segunda versão? O passo dado em Espanha?
10 — Note-se que a objeção respeita a esta segunda versão do diploma, e não alude ao processo que
antecedeu a elaboração da primeira versão. Não invoca argumentos eleitorais reportados a 2019 ou intenções
referendárias subsequentemente debatidas. Trata-se de saber em que bases se apoia a opção pela solução
mais drástica e radical, se for essa a opção da Assembleia da República.
11 — Note-se, ainda, que o que está em causa é o entendimento da Assembleia da República — ao
ponderar o direito à vida, de um lado, e a liberdade à autodeterminação e realização pessoal, do outro —
quanto ao sentimento dominante na sociedade portuguesa, sobretudo, atendendo à mudança operada em
apenas nove meses: exigia-se doença fatal, passar-se-ia agora a dispensar tal exigência.
12 — Como deixei claro em dois compromissos eleitorais, entre 2016 e 2021, não pesa na decisão que
tomo qualquer posição religiosa, ética, moral, filosófica ou política pessoal — que, essa, seria mais crítica —
mas, apenas, como aconteceu noutros ensejos similares, o juízo que formulo acerca do que corresponde ao
que considero ser o sentimento valorativo dominante na sociedade portuguesa.
13 — Esclareço ainda que considerei, após detida ponderação, quanto a esta segunda versão do diploma
da Assembleia da República, não suscitar a fiscalização prévia da constitucionalidade pelo Tribunal
Constitucional. Por um lado, por haver prévias aparentes incongruências de texto a esclarecer, e, por outro
lado, por desse esclarecimento decorrer, largamente, o tipo de juízo jurídico-constitucional formulável.
14 — Finalmente, tomo esta decisão três dias depois de ter recebido o Decreto da Assembleia da
República, e mal chegado de visita oficial ao estrangeiro, assim prescindido de prazos constitucionais mais
longos, para ponderar quer o envio ao Tribunal Constitucional, quer a devolução ao Parlamento, por uma
questão de respeito institucional por esse central órgão de soberania.
Seria constitucional, mas sinal de desrespeito, usar os prazos conferidos pela Constituição e decidir já
depois de a Assembleia da República se encontrar dissolvida.
15 — Em suma, com os fundamentos expostos, solicito à Assembleia da República que clarifique se é ou
não exigível «doença fatal» como requisito de recurso a morte medicamente assistida e se, não o sendo, a
exigência de «doença grave» e de «doença incurável» é alternativa ou cumulativa e, ainda, que pondere, no
caso de não exigência de «doença fatal», se existem razões substanciais decisivas, relativamente à sociedade
portuguesa, para alterar a posição assumida em fevereiro de 2021, no Decreto n.º 109/XIV.
16 — Nestes termos, devolvo, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 199/XIV».
Assim, foi lida a mensagem de Sua Excelência o Sr. Presidente da República, mas, como todos sabemos,
no contexto em que a Assembleia da República está a funcionar, já não temos qualquer hipótese de voltar a
debater e a votar esta questão em Plenário, como seria necessário.
Portanto, passamos diretamente ao segundo ponto da agenda, que consiste no debate preparatório do
Conselho Europeu, com a participação do Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei
de Acompanhamento e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da
União Europeia.
Tem a palavra, pelo Governo, o Sr. Primeiro-Ministro, que aproveito para cumprimentar, assim como todos
os membros do Governo presentes.
O Sr. Primeiro-Ministro (António Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O primeiro ponto do Conselho Europeu dirá respeito a um ponto de situação sobre o estado da COVID-19 na Europa, que é
conhecido, no qual Portugal procurará enfatizar, sobretudo, a necessidade de reforçarmos a cooperação
externa, em particular com os países africanos, porque, como se demonstra pela variante Ómicron, é
fundamental alargar a capacidade de vacinação à escala global, de forma a todos podermos sentir-nos
seguros.
Portugal, até ao momento, já doou 2 milhões e 700 mil doses, e chegaremos, até ao final do ano, aos 4
milhões e meio de doses doadas, em particular, aos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP),
mas também ao mecanismo multilateral COVAX (Acesso Global às Vacinas da COVID-19). É fundamental que
a Europa se concentre nesse esforço.