25 DE FEVEREIRO DE 2022
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A Rússia tem todo o direito de fazer uma leitura das suas condições de segurança, de acordo com a qual
essas condições de segurança têm uma forte dimensão territorial e geográfica. Entendemos que é uma leitura
obsoleta, mas reconhecemos à Rússia o direito de ter essa leitura.
Mais: a Rússia tem todo o direito de pôr em cima da mesa, nas relações internacionais, sejam bilaterais,
sejam multilaterais, o que entende deverem ser os seus interesses nacionais, os seus interesses estratégicos,
as suas preocupações de segurança. A Rússia tem todo o direito de salientar, nos documentos estruturantes da
arquitetura de segurança da União Europeia, mais este princípio do que aquele, mais esta frase do que
aqueloutra.
Portanto, quando a Rússia diz «nós valorizamos, sobretudo, o princípio da indivisibilidade da segurança»,
nós dizemos que nenhuma decisão em matéria de segurança de uns deve fazer-se sem ter em atenção decisões
equivalentes de outros e também dizemos «examinemos esses problemas», porque todos esses problemas
podem ser examinados.
Nós temos diferenças de inserção geopolítica, diferenças de interesses, diferenças de História, diferenças
de conceções e de visões do mundo. Não é aí que está o problema, o problema está em que, pelo menos a
partir de 1945, com a fundação das Nações Unidas, a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos — documentos subscritos pela Rússia —, passámos a considerar o mundo das relações
internacionais não como um mundo de combate permanente dos fortes contra os fortes e da opressão
permanente dos fracos pelos fortes, mas como um mundo organizado em regras sobre as quais estamos de
acordo e na base das quais dirimimos pacífica, política e diplomaticamente os diferendos que tenhamos.
Ora, esse mundo de regras é incompatível com atos de ameaça, com atos de intimidação e muito menos é
compatível com atos de agressão, com o querer resolver as questões negando ao interlocutor o direito à
existência, com o querer resolver ou fazer valer os nossos interesses negando aos interesses contrários
qualquer espécie de dignidade e, muito menos, com o querer resolver os nossos problemas à lei da bala. E é a
lei da bala que está hoje a imperar por responsabilidade da Rússia, que está há várias horas a agredir e a invadir
militarmente a Ucrânia.
Já era grave o facto de a Rússia ter rasgado os acordos de Minsk que ela própria subscreveu e pôr em causa
a soberania e a integridade territorial da Ucrânia, inventando, primeiro, aquelas repúblicas-fantoche e fingindo,
agora, que estava a reconhecer juridicamente a sua independência. Já isso era grave e já isso mereceu a
resposta pronta e firme da nossa parte.
Desde a madrugada de hoje que a Rússia franqueou mais uma linha vermelha, mais um limiar, estando em
plena agressão militar contra um Estado soberano e a causar a maior crise de segurança da Europa. Este é um
primeiro comentário.
Mas nós temos lições a tirar, porque as questões da segurança não podem ser dissociadas das questões
económicas. A nossa capacidade de defender a paz e a segurança das nossas populações não pode ser
dissociada da nossa própria resiliência em matéria das infraestruturas de que necessita o nosso
desenvolvimento e da qualidade da nossa democracia. As dependências económicas que se toleram
transformam-se, tarde ou cedo, em dependências políticas e até em dependências estratégicas.
Por isso é que o Primeiro-Ministro de Portugal dirá, mais uma vez, como tem dito ao longo dos últimos seis
anos e como antes dele o disse o Primeiro-Ministro Passos Coelho, que a Europa não pode contornar mais a
questão da excessiva dependência em que se encontra face à Rússia em matéria de energia, pois isso dá uma
alavanca à Rússia e uma debilidade à Europa que só contribuem para um desequilíbrio estratégico e político.
É muito importante reagir agora, mas também é muito importante tratar da diversificação das fontes de
abastecimento de energia na Europa, das interligações que devem percorrer, organizar e estruturar o mercado
europeu de energia em todo o território europeu, porque é assim que nos tornamos menos dependentes. Quando
nos tornamos menos dependentes, tornamo-nos mais independentes e, portanto, mais autónomos e mais
soberanos.
Uma coisa nós sabemos: não é apenas a segurança da Europa, é a estabilidade do mundo que precisa de
uma Europa forte, de uma Europa independente e de uma Europa soberana.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.