4 DE MARÇO DE 2022
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Em relação àquilo que o Sr. Ministro acabou de dizer, que temos de estar preparados para haver menos
água no futuro, creio que essa verdade é inatacável. Ela decorre dos factos, de todos os dados científicos
disponíveis, decorre do painel das alterações climáticas, pois os cientistas já há anos têm apresentado nos seus
relatórios essa indicação, e decorre, também na mesma linha de raciocínio, de uma análise óbvia: na Europa, é
na bacia mediterrânica e particularmente em Portugal e em Espanha que os efeitos das secas se sentirão mais
no futuro.
Tudo isto que eu disse e que o Sr. Ministro acabou de dizer não é novidade hoje, não era novidade ontem,
não era novidade anteontem, não era novidade no ano passado, não era novidade, sequer, quando o Sr. Ministro
chegou ao Governo.
Portugal tem de estar preparado para viver com menos água, porque é a isso que o futuro nos vai condenar.
E, desse ponto de vista, é curioso perceber que há um conjunto de investimentos estratégicos e um conjunto de
escolhas estratégicas que foram protelados. E isso, sim, é responsabilidade de uma governação que não foi
previdente nesta matéria.
Vamos a exemplos concretos: temos, no Algarve, um conjunto alargado de campos de golfe, exatamente no
mesmo sítio onde o País enfrenta as piores dificuldades de seca. Dessa quantidade de campos de golfe, 40,
apenas dois utilizam habitualmente água reciclada, isto é, a água que resulta do tratamento das águas residuais.
A minha pergunta é: como é que, seis anos depois de o Sr. Ministro estar no Governo, tantos anos depois
de sabermos que Portugal tinha de viver com menos água, esta matéria simples, óbvia a quem quer que se
debruce sobre este tema, não foi devidamente acautelada? E, agora, a resposta que nos é dada é que será para
o futuro, será até 2025. Sabe-se lá se não será para depois disso.
Esta é a pergunta chave: o que é que o Sr. Ministro andou a fazer durante os seis anos que teve para lidar
com esta matéria fundamental, um dos pilares fundamentais para a resposta à seca no Algarve?
Segundo, sabemos, há notícias sobre essa matéria, que, por exemplo, uma junta de freguesia, em Lisboa,
vai utilizar também águas residuais para regar jardins, para limpeza de vias públicas.
Faço, mais uma vez, a pergunta: como é que um País, que está no «olho do furacão» das alterações
climáticas na Europa e que tem uma previsão de redução de água, que não é de agora, já vem do passado, só
agora, de forma esporádica, até quase como caso de estudo, é que faz estas novas utilizações da água? Como
é que não nos preparámos antes? Creio que essa é a pergunta em que o Sr. Ministro chumba o teste e é a
pergunta fundamental que eu lhe queria fazer.
Há uma segunda pergunta que decorre do relacionamento com Espanha. Sabemos que parte dos nossos
recursos hídricos transpõem a fronteira, visto que vêm do espaço espanhol. Em particular, o rio Tejo tem,
historicamente, nos últimos anos, um problema de falta de água, porque a Espanha, como é reconhecido, retira,
desvia água do leito do Tejo.
Pergunto-lhe, diretamente, se o Governo tem acompanhado esta realidade, que é ainda mais difícil de
enfrentar nos períodos de seca, se Espanha tem ou não cumprido os caudais ecológicos, se garante que a
Espanha está a cumprir os acordos com Portugal, e se não considera que esses acordos estão a ser também
manifestamente lesivos dos interesses do Estado português.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, tem toda a razão: Espanha usa a água. É normal. O rio nasce em Espanha e Espanha usa a água desse mesmo rio, tendo
Espanha muito maior stress hídrico do que Portugal tem.
Espanha cumpre rigorosamente a Convenção de Albufeira e vai além disso, porque, por exemplo, e isso vem
desde a origem da convenção e é uma evidência, há um mecanismo de exceção para quando o ano se afasta
muito daquilo que é a quantidade média de pluviosidade. No entanto, nestes seis anos nunca Espanha utilizou
esse mecanismo de exceção, isto é, ainda que o pudesse fazer, transferiu para Portugal sempre a água que era
obrigado a transferir.
Sr. Deputado, sim, de facto, temos menos água e isso não é consequência, em todo o lado, das alterações
climáticas. Aprendemos com uma sua colega de bancada, e relembramos, a expressão «evapotranspiração» e,