I SÉRIE — NÚMERO 1
56
parlamentares, em intervenções marcadas não só por essa sua combatividade como também pela ironia e pela beleza da sua oratória.
Natália Correia foi uma mulher controversa e corajosa; intransigente e provocadora na forma como defendia as causas em que acreditava; indomável na forma como assumia as ruturas que entendia na sua intervenção política.
Natália Correia foi uma resistente antifascista. Perseguida pela ditadura, pela sua intervenção cívica e pela sua atividade literária, enfrentou os tribunais do fascismo nos anos 60 pela organização da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.
O verso que lançou contra os juízes que a condenaram, «Ó, subalimentados do sonho! / A poesia é para comer», ficará como um dos gritos de alma da resistência cultural contra um regime que reprimiu a cultura portuguesa durante quase meio século.
A intervenção política de Natália Correia não foi isenta de contradições. Mesmo com os seus amigos mais próximos, teve momentos de discordâncias profundas, de discussões contundentes, de zangas, mas também de reconciliações.
As posições políticas de Natália Correia, as suas atitudes — umas coerentes, outras contraditórias —, suscitaram controvérsia, discussão acesa, apoio, contestação, mas nunca a indiferença.
As suas intervenções em defesa da legalização da IVG, da condição feminina, do investimento na cultura, ou em contestação à ausência de políticas culturais dignas desse nome e de contestação à perda de soberania e de identidade cultural por via da integração europeia, ficam como testemunhos eloquentes da sua ação.
Natália Correia foi uma mulher livre: na Assembleia da República e fora dela; nas tertúlias que promovia em sua casa ou no Botequim, esse espaço que se tornou mítico.
Natália Correia foi singular, inimitável, na sua escrita, na sua intervenção e no seu modo de estar na vida e, por isso mesmo, tão marcante. Por isso mesmo, 100 anos depois do seu nascimento e 30 anos depois do seu desaparecimento físico, Natália Correia, essa açoriana, permanece e permanecerá entre nós como exemplo de inconformismo e de enorme talento.
Natália vive, e a sua poesia «é para comer». Aplausos do PCP, do PS, do BE, do L e de Deputados do PSD. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal. O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra: Nesta data em
que se celebra o 100.º aniversário do nascimento de Natália Correia, mais do que evocar a sua singular e notável pessoa — coisa para a qual muitos outros estarão mais bem preparados do que eu —, gostaria de, em nome da Iniciativa Liberal, evocar, isso sim, os valores dos quais Natália Correia foi um exemplo.
São valores que começam a escassear na política portuguesa e que, por isso mesmo, é especialmente importante evocar nesta data.
Desde logo, Natália Correia foi um exemplo de irreverência, aquela que, já Mark Twain dizia, é a «mais segura defesa da liberdade». Natália foi irreverente na sua vida pessoal e na sua vida pública; foi irreverente antes e depois do 25 de Abril; foi irreverente com os medíocres, com os atávicos, com os prepotentes, de esquerda ou de direita.
E, para Natália Correia, o respeitinho não era muito bonito, era mesmo do mais feio que há. Natália Correia foi também um exemplo na defesa dos direitos das mulheres e da sua dignidade. Inspirou,
certamente, muitas mulheres que não tinham, na altura, presença nem voz no espaço público a dar o passo e a intervir, para bem do País que amava profundamente, do Minho aos Açores, onde nasceu, e que nos ensinou a considerar tão pátria como mátria.
Mátria, mais do que o título do seu livro de poesia de 1967 e do seu programa de televisão dos anos 80, foi um conceito que perpassou toda a sua obra e toda a sua intervenção, quer durante o Estado Novo, quer depois.
Srs. Deputados, Natália Correia foi, sobretudo, durante toda a sua vida, um exemplo de liberdade política, de liberdade pessoal, de liberdade artística, a liberdade artística que faríamos bem hoje aqui não esquecer que não é uma questão estética. É, de facto, uma questão política.