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16 DE SETEMBRO DE 2023

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E a liberdade artística é política porque nos questiona sobre o que julgamos já saber; porque cria um novo e alarga as fronteiras do possível; porque a arte tem de arriscar, não pode ter medo de errar e tentar de novo; a arte não pode ter medo de mudar. E ela pode ser trivial ou genial, efémera ou perene, grotesca ou ela, mas faz uso da liberdade e cria ao mesmo tempo que o faz.

É por isso essencial esta liberdade artística a uma democracia saudável, que não pode ter medo da mudança. E é por isso preocupante esta sensação, este instinto que eu tenho, de que hoje, na nossa vida pública, esta

mulher livre talvez não fosse totalmente compreendida e talvez fosse, até, cancelada,… Vozes do CH: — Isso é verdade! O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — … este instinto que me diz — e não sou certamente o único — que,

na nossa vida pública, fazem falta pessoas como Natália Correia e que é urgente renovar o exemplo de liberdade e irreverência que a sua vida nos deixou.

Essa seria a homenagem que Natália Correia mais apreciaria. Como é que eu sei? Instinto, em parte. Mas Natália Correia também o deixou escrito na última estrofe do

Cântico do País emerso, escrito há mais de 60 anos. Oiçam: «E invoco-vos, irmãos, Capitães-Mores do Instinto! / Que me acenais do mar com um lenço cor da aurora / E com a tinta azulada desse aceno me pinto. / O cais é a urgência. O embarque é agora.»

Aplausos da IL, do PS, do L e de Deputados do PSD. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto, do Grupo Parlamentar do Chega. Peço silêncio, se faz favor. O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: Falar de Natália Correia é

falar de rebeldia, de irreverência, de alguém que marcou uma época e fez história. Nascida a 13 de setembro de 1923, na pequena freguesia de Fajã de Baixo, no concelho de Ponta Delgada,

nos Açores, Natália Correia nunca esqueceu as suas origens. Em 1979 foi autora do hino dos Açores, que teve a sua marca e o seu cunho pessoal, particularmente quando

se refere a «Liberdade, justiça e razão / estão acesas no alto clarão / da bandeira que nos guia. / Para a frente! Lutar, batalhar / pelo passado imortal. / No futuro a luz semear, / de um povo triunfal.» Natália era isto! Lutadora incansável pela liberdade, contra o Estado Novo.

Mulher de coragem, participou em diversos movimentos de oposição, chegando a ser condenada a três anos de pena suspensa, em 1966, pela publicação da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, que foi considerada, na altura, ofensiva dos bons costumes.

Mas isto era Natália Correia: irreverente, polémica, nem sempre consensual, mas com grande capacidade intelectual, escritora, poetisa e também política.

Foi eleita Deputada neste Parlamento em 1980, nas listas do PSD, onde via em Francisco Sá Carneiro um grande exemplo. Rapidamente chocou com o, na altura, conservadorismo do PSD e passou a Deputada independente; polémica e audaz, sem papas na língua. Voltaria ao Parlamento nas listas do desaparecido PRD (Partido Renovador Democrático), pelas mãos de Ramalho Eanes, por acreditar que ali estava o reformismo e o progresso para o País. Bem se enganou!

As intervenções políticas de Natália Correia eram sempre aguardadas com expectativa e sempre surpreendentes. Não vou recitar o famoso poema Truca-truca, que Natália Correia ofereceu ao então Deputado do CDS João Morgado, mas, sim, o poema Andar?! Não me custa nada!; «Andar? Não me custa nada!… / Mas estes passos que dou / Vão alongando uma estrada / Que nem sequer começou. / Andar na noite?! Que importa?… / Não tenho medo da noite / Nem medo de me cansar; / Mas na estrada em que vou. / Passo sempre à mesma porta… / E começo a acreditar / No mau feitiço da estrada: / Que se ela não começou / Também não foi acabada! / Só sei que, neste destino, / Vou atrás do que não sei. / E já me sinto cansada / Dos passos que nunca dei.»

Natália gostava do espetáculo mediático da altura, dos anos loucos de 70 e 80, de assuntos fraturantes e de causas como o aborto. Nem sempre estaríamos de acordo, mas reconhecemos a sua audácia.