I SÉRIE — NÚMERO 1
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Apesar de tudo, nesse ensaio, há uma irrupção da poesia sob a forma de uma visita de Edgar Allan Poe. Escreveu então Natália: «O fantasma de Edgar Allan Poe chegou atrasado à entrevista que nenhum de nós tinha combinado. Disse que os homens e as estrelas eram a única combinação divina e que, por isso, a estrela da manhã amanhecia sempre cedo demais.»
Natália Correia foi uma estrela da manhã. O que teria sido ela, o que não teria sido, se tivesse nascido num Portugal já em democracia, num Portugal já europeu?
O que não teria sido ela, o que não teria conseguido ela, se não tivesse nascido num Portugal para o qual alguns, pelos vistos, nos querem voltar a atirar?
O Sr. Presidente: — Muito obrigado. O Sr. Rui Tavares (L): — O melhor que poderemos dar ao nosso Portugal do futuro é as condições para que
as muitas «estrelas da manhã»,… O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tens mais 100 anos para falar! O Sr. Rui Tavares (L): — … as muitas Natálias Correias, os muitos espíritos livres de amor e de curiosidade
que ela tinha, possam florescer e guiar-nos, com a sua fulgurância, para o futuro. Obrigado, Natália Correia. Aplausos do PS, do PSD, do BE e do PAN. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. O Sr. Pedro Pinto (CH): — São 2 minutos! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Ex.mo Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Ex.ma Sr.ª Ministra: A
poetisa Natália Correia, como gostava de ser evocada, nas suas próprias palavras, foi uma mulher que viveu livre do compromisso de ser como os outros esperavam.
Neste dia e neste Plenário, onde exerceu funções, há várias faces desta figura singular que gostaria de evocar. Poderíamos falar da Natália consciente da senciência dos animais que, em verso, escreveu que o gato era «o génio que o telhado retém», e que neste Plenário, aquando do debate sobre o fim dos touros de morte, defendeu medidas que, na tourada, poupassem aos animais o sofrimento, reflexões que, no Portugal de 2023, não são óbvias para alguns.
Protestos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão. Ou quando discutimos o direito dos animais e a sua consagração legal, que está hoje em risco no Tribunal
Constitucional, também mantém a sua atualidade. Ou até mesmo quando se perseguem politicamente políticos por dizerem que o touro sofre, ainda no nosso País.
Poderíamos também dar voz a Natália Correia, que não hesitou em furar a disciplina partidária para criticar o Governo do seu próprio partido por tratar a cultura como o parente pobre, dotado mesquinhamente no Orçamento, crítica que continua a fazer sentido quando, em 2023, com um Governo de outro partido, o 1 % para a cultura está longe de ser uma realidade.
Entrou em duelos, também, contra o «ogre das forças destruidoras da supremacia do lucro, a cuja goela nem o próprio socialismo escapa, desalojando o homem do conforto desmemoriante em que, perversamente, o instalaram», citando a própria Natália.
Natália Correia disse que a sua causa era combater a extinção das causas, mas as suas causas estão mais vivas do que nunca. Natália disse-nos que os passos que deu alargaram uma estrada que nem sequer começou.
Nesta semana do centenário do seu nascimento, e no momento em que nos aproximamos, a passos largos, dos 50 anos do 25 de Abril, no momento em que estamos num processo de revisão constitucional e em que