16 DE SETEMBRO DE 2023
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vemos tantas forças ameaçarem a democracia, apelo daqui, em memória e invocando Natália Correia, às forças democráticas deste Parlamento que devem assumir-se como depositárias do seu legado e a que nos comprometamos a agir e a continuar a alargar e a percorrer a estrada que Natália Correia começou a trilhar, essa mulher, essa grande mulher que hoje evocamos, mas cujo legado devemos perpetuar.
Aplausos do PS, do BE, do L e de Deputados do PSD. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente: «Eu vou ser livre na prática quotidiana de um sonho difícil»,
disse Natália Correia em abril de 1975. E assim fez. Tentar resumi-la é domesticá-la. Natália não pode ser resumida a um projeto político. «Minha mãe dizia», escreveu, «quando fores grande, haverá um país». E assim foi. Natália era o seu próprio país. Absoluto poder insular. Una, indivisível, autónoma, irrevogável, suprema na
ordem interna, igual na ordem externa, como todas as soberanias são. O seu conceito de liberdade mística, erótica, sensual, feminina, chocou o nosso País, o Portugal que vivia
fora dela, marcado por uma ditadura putrefacta «que se contém e se prolonga nas reverências reumáticas dos generais ao salazarismo mumificado», como escreveu.
Será que ainda somos esse País de reverências reumáticas, de brandos costumes, ou, na verdade, nunca o poderemos ser, quanto mais não seja porque também habitamos o Portugal de Natália Correia?
Se a escolha existe, «nataliana» me confesso. Vale a pena procurar a redenção no seu mundo, no seu país, no elogio da heterodoxia, no seu humanismo,
no seu desassombro moral perante tudo o que é humano, contrária a todas as inquisições, no seu antidespotismo, na abrasiva defesa da igualdade de género.
Vale a pena encontrar a reconciliação no seu feminismo. Por um feliz acaso, li ontem um poema inédito de Maria Teresa Horta: «Tu és aquela Maria de quem inventei
o corpo, o sentir, o sonho, a vida. Tão livre, tão ácida, tão firme, tão corajosa e bravia. Da condição das mulheres que voam durante as noites e só regressam de dia. Mulheres e feministas, natalianas nos reivindicamos. Somos as netas das bruxas que eles não conseguiram queimar.»
Risos do CH. Neste centenário, agradecemos: obrigada, Natália, por teres a coragem de sonhar um país à imagem do
veludo vermelho de um botequim. Aplausos do BE, do PS, do L e da Deputada do PSD Joana Barata Lopes. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Chamar bruxa às avós não é nada bonito! O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP. A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: Natália Correia nasceu há
100 anos, na Fajã de Baixo, na ilha de São Miguel. É justa esta homenagem da Assembleia da República a uma personalidade de relevância da cultura e da
vida política portuguesa do século XX. Natália Correia foi uma importante figura da poesia portuguesa pela sua vasta obra poética e literária, que
nos deixou imagens riquíssimas que perduram no nosso imaginário coletivo, mas também como divulgadora do melhor que os poetas portugueses nos legaram.
Nos dois momentos distintos em que exerceu funções como Deputada à Assembleia da República, Natália Correia destacou-se como uma parlamentar combativa em defesa da cultura e dos direitos das mulheres e foi uma personalidade que contribuiu, com o seu talento poético, para o enriquecimento dos trabalhos