14 DE DEZEMBRO DE 2023
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real está a pedir a palavra para fazer uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos?
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, era para uma intervenção, no seguimento da
intervenção que foi feita, mas como se tratou de uma pergunta do PSD ao Chega terei de aguardar pela minha vez.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Como sabe, os pedidos de esclarecimento têm de ser requeridos durante
a intervenção do orador. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, do Grupo Parlamentar da
Iniciativa Liberal. Faça favor. O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutem-se hoje, por
iniciativa do PAN, um conjunto de diplomas relacionados com a proteção e bem-estar animais, e alguns vão ver nesta uma boa ocasião para reacender a discussão recente sobre uma suposta dicotomia entre humanismo e animalismo, este último entendido na aceção, que é errada do ponto de vista ontológico e filosófico, da existência de uma equivalência moral entre os direitos dos seres humanos e os direitos dos animais.
Não é neste plano que a Iniciativa Liberal se coloca nem é nesta discussão que nos queremos focar. Para nós, aliás, a discussão é simples e deveria ser curta, porque o ideal liberal é tributário das ideias humanistas do Iluminismo.
Por isso, é para nós claro que a proteção suprema da dignidade humana, a tal que está consagrada com destaque na nossa própria Constituição, implica necessariamente a penalização da inflição de tratamentos cruéis ou danosos a outros seres sensíveis. Como já viram, esta formulação abarca os seres humanos e os outros seres sensíveis, e, por isso é com naturalidade e com convicção que a Iniciativa Liberal encara favoravelmente — embora com reparos que, em sede de especialidade, poderemos tentar resolver — a generalidade dos diplomas que aqui hoje se discutem.
Gostava de me focar, concretamente, no Projeto de Resolução n.º 945/XV/2.ª, que prevê a assunção, por este Parlamento, de poderes extraordinários de revisão constitucional, e, a este propósito, tenho de dizer que esperava mais rigor e maior sentido de oportunidade por parte do proponente.
Numa exposição de motivos, aliás, de um modo geral bem fundamentada, o PAN argumenta que existe caráter imprescindível e inadiável nas suas pretensões. Não concordamos, e passo a explicar porquê. Em primeiro lugar, a matéria em causa ainda está a ser apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Diversas secções do Tribunal já foram chamadas a pronunciar-se, por cinco vezes, em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade da aplicação da norma da Lei n.º 69/2014, a tal que criminaliza os maus-tratos a animais de companhia. As decisões foram desfavoráveis, invocando a ausência de tutela constitucional do bem-estar animal. E, como decorre da lei, o Ministério Público desencadeou, em janeiro deste ano, um processo destinado a declarar, agora, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral dessa mesma norma.
Este caso será já decidido, não por uma secção, mas pelo plenário do Tribunal Constitucional, cuja decisão não só não se espera para breve como é bem possível que não vá no mesmo sentido das decisões anteriores.
Em segundo lugar, não é possível abrir um processo de revisão extraordinária enquanto continua aberto, como é o caso, o processo de revisão ordinária, durante o qual, aliás, a Iniciativa Liberal já manifestou a sua posição favorável à consagração do bem-estar animal como um bem constitucionalmente tutelado.
E, finalmente, o proponente sabe bem que o horizonte de dissolução desta Assembleia da República, que é o próximo dia 15 de janeiro, torna ineficaz e desprovido de qualquer utilidade prática um processo de revisão extraordinária eventualmente aberto neste momento.
Estes três argumentos, Sr.ª Deputada, são, ou deveriam ser, do seu conhecimento. Pergunta-se, então, porque é que insistiu o PAN neste agendamento, cujo efeito prático sabe ser nulo, e ainda por cima não permitindo arrastamentos. A resposta, Sr.ª Deputada, só pode ser uma: trata-se de uma sinalização de virtude — algo, já de si, pouco digno e pouco merecedor do apreço da Iniciativa Liberal e que, ainda por cima, neste caso tem evidentes motivações extra por irmos a eleições legislativas daqui a três meses, a 10 de março.