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1 DE JUNHO DE 1983

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PROJECTO DE LEI N.e 7/119 INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA OA GRAVIDEZ

O povo português elegeu em 25 de Abril uma Assembleia da República onde estão em maioria os partidos que em 11 de Novembro de 1982 votaram favoravelmente o projecto de lei do PCp tendente à legalização da interrupção voluntária da gravidez. Ao reapresentar esse projecto, precisamente no primeiro dia da nova legislatura, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português pretende sublinhar como é necessário e premente pôr termo ao terrível flagelo social que é o aborto clandestino, nos meandros do qual mulheres portuguesas todos os dias sofrem e tantas vezes perdem a saúde e a vida.

Em Novembro de 1982, submetido a discussão e votação juntamente com duas outras iniciativas tendentes à defesa da maternidade e à garantia da educação sexual e do planeamento familiar, o projecto de lei do PCP de legalização do aborto foi rejeitado pelos votos do CDS, do PPM, da ASDI e do PSD. Como então se sublinhou, tratou-se apenas de um adiamento. Um adiamento que causa, porém, diariamente danos irreparáveis nas vidas de tantas mulheres e tantos casais.

Ao longo destes meses, realizou-se por todo o País um debate de dimensão sem precedentes, que não deixou ninguém indiferente. Foram quebrados antiquíssimos tabus. Uma realidade dramática que era vivida entre silêncios e culpabilizações pôde finalmente vir ao de cima. A denúncia, consciencialização e compreensão dessa realidade não só teve particular expressão na comunicação social, como deu lugar a um dos mais importantes e profundos debates travados na Assembleia da República, durante o qual ficou bem provado que a legalização da interrupção voluntária da gravidez é uma exigência nacional.

Não deve ser adiada por mais tempo a conversão em lei do projecto votado em 11 de Novembro de 1982. Por isso mesmo o Grupo Parlamentar do PCP o renova com o mesmo exacto articulado, para que possa ser discutido, votado e aprovado pela Assembleia da República, que hoje inicia nova legislatura.

1 — Modificar um quadro legal injusto, aberrante e hipócrita

A proibição legal do aborto decorreu durante quase um século do artigo 358.° do Código Penal aprovado por Decreto de 11 de Setembro de 1886. Tal disposição punia com pena de prisão maior de 2 a 8 anos aquele que de propósito fizesse abortar «uma mulher pejada» empregando para esse fim violências ou bebidas, ou medicamentos, ou qualquer outro meio, com ou sem consentimento da mulher. A mesma pena era aplicável à mulher que consentisse e fizesse uso dos meios subministrados, ou que voluntariamente procurasse o aborto a si mesma, seguindo-se efectivamente o mesmo aborto, salvo se cometesse o crime «para ocultar a sua desonra», caso em que a pena seria de prisão. O médico ou o auxiliar de medicina que abusando da sua profissão tivesse voluntariamente concorrido para a execução do crime, indicando ou subministrando os meios, incorreria respectivamente nas mesmas penas, agravadas segundo as regras gerais.

A lei incriminava independentemente das circunstâncias, das fases e dos fins. Excluído ficava o próprio aborto terapêutico: não era admitida sequer a interrupção da gravidez que tivesse por objectivo salvar a vida da mulher.

Este quadro legal manteve-se até aos nossos dias praticamente sem alteração, desde a aprovação do Código Penal de 1852, que neste ponto viria a ser reproduzido, com ligeira alteração da pena, pelo Código de 1886.

A entrada em vigor de um novo Código Penal em 1 de Janeiro de 1983 não alterou substancialmente esta situação. A penalização da interrupção voluntária da gravidez manteve-se na ordem jurídica portuguesa, com ligeira alteração das penas aplicáveis.

Ostentando as marcas de uma ordem e de um tempo que os novos tempos tornaram já caducos, um tal quadro legal rcveste-se de uma inegável hipocrisia. O aborto pratica-se impunemente, de forma clandestina, aos milhares por dia e em todo o País. Sabe-se onde é feito, quem o faz e como. Milhares de mulheres entram nos mais variados serviços públicos e privadas em consequência de acidentes decorrentes de abortos clandestinos. Quantas vezes morrem mesmo. E, no entanto, os casos levados a juízo são um ou dois por ano. Em 1979, houve uma condenação em tribunal pela prática do aborto clandestino ...

A consequência fundamental da lei não é, pois, a aplicação das penas que prevê para quem pratique o que ela veda. Reside sim no facto de a mera existência de um quadro legal retrógrado remeter para a clandestinidade — à margem das regras adequadas de saúde, segurança e humanização— quem ao aborto seja obrigada a recorrer, originando demasiadas vezes uma situação de perigo de vida e quase sempre um cortejo trágico de sequelas para a saúde física e psíquica da mulher.

E nem se pode dizer que a todos toque por igual o peso da injustiça. São as mulheres de menores posses económicas, mulheres camponesas, operárias, empregadas que interrompem a gravidez em piores condições de saúde e segurança, correm maiores perigos físicos, psíquicos e riscos de penalização. Quem dispõe de meios económicos pode recorrer a serviços com boas condições sanitárias, autênticas clínicas, sem riscos reais de repressão, ou deslocar-se até a outros países, onde a interrupção voluntária da gravidez é legal.

2— Aborto clandestino: um flagelo social

Não existem dados rsais que permitam avaliar com o rigor necessário quantos abortos clandestinos são praticados anualmente em Portugal. Números que vão de 100 000 a 300 000 são vulgarmente apontados. A dimensão real não é conhecida.

Importa, porém, ter em conta que apesar da carga repressiva e da punição social inerente ao aborto, apesar do medo e dos maus tratos, o último recurso que é o aborto tem ainda um recurso último que é o hospital. Se analisarmos um dado concreto que é a entrada, nos hospitais centrais de Lisboa, Porto e Coimbra, de casos provenientes de acidentes pós--aborto, verificaremos que a cada um deles chega um caso em cada meia hora, o que é expressivo, embora revele apenas uma das dimensões do problema. O número referido não abrange todos aqueles que recorrem