12 DE JUNHO DE 1985
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publicação (daquela lei)». O objecto de pronúncia não foi, pois, a conformidade constitucional do n.° 2 do artigo 56.°, que previa a criação, por lei especial, de tribunais marítimos com regras próprias de organização, competência e funcionamento. Aliás, e ao invés, ficou concludentemente sublinhado no parecer da Comissão Constitucional ser evidente que nada havia na Constituição (de 1976) que impedisse o legislador ordinário de criar tribunais judiciais de 1.° instância de competência especializada em matéria marítima, na moldura consentida pelo n.° 1 do artigo 213.°
1 — Aconteceu, porém, que, por virtude da revisão constitucional de 1982, veio o artigo 212.° da Constituição a ser alterado: no seu n.° 2 passou a estatuir-se que poderão existir tribunais administrativos e fiscais, tribunais marítimos e tribunais arbitrais.
Entretanto, face ao novo preceito, não se poderá entender que, se no domínio da sua anterior redacção (a de 1976) era figurável a criação de tribunais marítimos como tribunais judiciais de competência especializada, tal deixou de suceder depois dele, uma vez que do seu n.° 2 expressamente advém que os tribunais marítimos aí previstos são tribunais não judiciais. Ê que o núcleo da questão não será este. O que estará em jogo será apurar se, perante o actual n.° 2 do artigo 212.° da Constituição, poderão ser criados tribunais marítimos como tribunais judiciais de 1." instância de competência especializada. Ou, por outras palavras: da expressa inclusão de tribunais marítimos na ordem dos tribunais não judiciais resultará a inviabilidade de serem criados tribunais marítimos como tribunais judiciais de competência especializada?
A resposta parece dever ser negativa. Ê que nem faria sentido que, se antes da revisão era constitucionalmente comportável a criação de tribunais marítimos como tribunais judiciais de competência especializada, tal deixasse de poder ocorrer depois da revisão.
O novo n.° 2 do artigo 212.° apenas contém uma permissão constitucional («podem existir»), e não uma injunção. Dele não decorre, de modo algum, que o legislador ordinário fique adstrito a utilizar essa permissão, deixando de poder lançar mão da faculdade de criar tribunais marítimos com base no artigo 216.°, com referência à alínea b) do n.° 1 do artigo 212°
Objectar-se-á que, a ser assim, a menção introduzida no n.° 2 do artigo 212.° quanto aos tribunais marítimos resultará inoperante.
Não colherá, no entanto, a objecção. O que passou a verificar-se foi uma dualidade de opções para o legislador ordinário; ou enveredará pela via de repristinar os anteriores tribunais marítimos, tal como eram configurados antes de 1976, ou adoptará a solução de os fazer incluir na ordem judicial. Ou seja-, a alusão feita aos tribunais marítimos no n.° 2 do artigo 212.°, após a revisão constitucional, apenas significará o propósito de pôr cobro às dúvidas que antes dela, com razão ou sem ela, se haviam suscitado sobre a constitucionalidade desses tribunais, sem, para isso, se ter de alterar a posição assumível, antes da revisão, perante o enquadramento de tribunais marítimos na ordem judicial como tribunais especializados.
A situação actual é, pois, a de abrir ao legislador ordinário a opção de criar tribunais marítimos na ordem judicial ou na ordem dos tribunais previstos no n.° 2 do artigo 212.°
1.2 — Ora, tudo isto ponderado, concluiu-se que o mais producente rumo a percorrer será o de criar tribunais marítimos como tribunais judiciais de 3.a instância com competência especializada.
Com efeito, é de desabonar a ideia de se criar uma ordem especial de tribunais marítimos, com estruturas necessariamente pesadas e onerosas; na realidade, tem--se como impensável repristinar, pura e simplesmente, o sistema adoptado antes de 1976, fundamentalmente centrado na intervenção dos capitães de porto.
Há que judicializar os tribunais marítimos, até porque um tribunal não judicial dificilmente poderia assegurar, para o futuro, as garantias judiciárias que o dirimir de complexos conflitos de interesses postulará.
Inseridos os tribunais marítimos na ordem judicial, a preconizável especialização operar-se-á apenas ao nível da 1.a instância, como faculta o n.° ! do artigo 216.° da Constituição.
E, em breve parêntese, quase sem incidência na presente problemática, dir-se-á que o artigo 215.° (que reproduz, com uma alteração de pormenor, o anterior artigo 214.°) é, aliás, e reconhecidamente, um preceito não dotado de dignidade constitucional (por exemplo Cunha Rodrigues, A Constituição e os Tribunais, 1977, p. 52); nele repercute o excessivo pendor regulamentar pela Constituição denotado nesta área, absorvendo matérias que melhor deveriam ter sido confinadas às leis de organização judiciária (cf. «A revisão constitucional e a independência dos juízes», na Revista da Ordem dos Advogados, ano 42, máxime p. 346).
2 — A criação de tribunais marítimos como tribunais judiciais tem em seu favor uma outra ordem de razões. É, na verdade, sabido que, em Portugal, e com cada vez mais esporádicas ressalvas, nunca alcançou o direito marítimo uma significativa dimensão doutrinal; para isso terá decisivamente contribuído a inexistência de uma tradição universitária sistematizada. E quase que se poderá concluir que, hoje, no plano da indagação doutrinal, o direito marítimo, expresso em leis frouxas e desactualizadas, se está a confinar ao que advém da actividade dos tribunais. Como já foi sublinhado (cf. «Direito marítimo — uma perspectiva», na citada Revista, ano 43, máxime p. 348), tão relevante ramo do direito está entre nós a ser um direito quase judicial: a doutrina vai despontando do somatório de decisões dos tribunais, elas próprias dependentes do esforço pessoal dos juízes e do carrear de razões aduzidas pelas partes. «Não será, obviamente, de falar num sistema de precedentes vinculativos, em estilo anglo-saxónico; mas o refrescamento da ordem jurídica é, sem dúvida, agora feito à custa do mérito intrínseco que a actividade processual possa proporcionar.» No que respeita, sobretudo, ao direito comercial marítimo, a actividade judicial, porque «condenada» a colmatar lacunas ou imprecisões da lei nacional ou espaços em branco da doutrina (designadamente na exegese de textos internacionais), ganha especiais contornos de autoridade, não apenas na perspectiva normativa a que, por exemplo, se referiu Carbon-nier (Droit Civil, i, 10.", ed., p. 155), mas, de igual passo, num impulso de elaboração conceituai. Quase se poderia falar, aqui, na actuação «pastoral» dos tribunais, como na frase de André Tunc.
Mas, por assim ser, aos tribunais terá de ser outorgada uma potenciada capacidade de especialização e do consequente apuro técnico. Para esse objectivo aponta