O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

29 DE JANEIRO DE 1986

799

Maria Cristina Gomes Silva Cardoso de Albuquerque (PRD); José Carlos Pereira Lilaia (PRD); António Vidigal Amaro (PCP).

Assembleia da República, 16 de Janeiro de 1986.— O Presidente da Assembleia da República, Fernando Monteiro do Amaral.

PROJECTO DE LEI N.° 108/IV SOBRE 0 MUSEU MINEIRA DE SAO PEDRO DA COVA

1 — A mina de São Pedro da Cova, integrada na bacia carbonífera do Douro, foi descoberta em 1795, quando Manuel Alves de Brito encontrou camadas de carvão no sítio do Enfeitador.

Produzindo antracite de qualidade, as concessões sucederam-se, em Ervedosa, Montalto, São Pedro da Cova e Passal de Baixo, mas, até 1804, a extracção foi irregular, utilizando uma tecnologia rudimentar, não ultrapassando os 100 m de profundidade.

A história desta exploração mineira foi também a de miséria e do sofrimento dos que nela trabalharam, e que não mais viriam de cessar. O carvão extraído nos primeiros anos de concessão era vendido aos «carreiros», homens sem trabalho, que o levavam para o Porto, onde «mendigavam pão e compradores».

De 1804 a 1825 o carvão extraído foi de 60 000 t, de 1825 a 1849, calculado em 115 0001, de 222 0001 até 1870, e 145 0001 até 1887.

A exploração era considerada, todavia, como «muito irregular, pouco abundante e nociva pelo muito combustível que a má direcção de trabalhos inutilizou», atingindo os poços 140 m de profundidade e as galerias 320 m de extensão, escoradas com a madeira de pinho cortada na vizinhança. As condições de trabalho eram —mesmo para a época— de uma grande dureza. A iluminação fazia-se com candeias de azeite e, no interior, a extracção processava-se através de «uma longa fila de rapazes que passava de mão em mão uns cubos de madeira contendo o carvão», que a 60 m da boca do poço era lançado em vagonetas e depois tirado até à superfície.

As águas dos pisos inferiores eram «elevadas com bombas de madeira, movidas a braço».

A exploração anual era então de 11 000 t, as galerias tinham uma secção de 2 m, 20 m X 1,80 m, e «os movimentos de terreno tornavam difíceis e incómodos os transportes e a circulação no interior da mina».

Em 1890, um relatório («Catálogo descritivo da secção de minas») dizia: «Ê de notar a relutância que tem o concessionário a introduzir os melhoramentos aconselhados pela moderna arte de minas», e que o esgoto e extracção «são os mais primitivos e irregular res que conhecemos, sendo para lamentar que uma mina auferindo tão bons resultados continue a seguir uma rotina vergonhosa» e ainda que «esta mina só poderá ser notada como um triste exemplar de reacção ao progresso». Até quase ao final do século xix não existiu «caixa de socorros para os casos de inabilidade por doença ou velhice» e a duração do trabalho era considerada má e «sobretudo para os menores [...] excessiva». E o mesmo relatório acrescentava: «Nos trabalhos subterrâneos que são muitíssimo árduos, feitos no meio de uma atmosfera mais ou menos cor-

rompida e sob uma temperatura elevada, parece-nos prejudicial para os menores a actual distribuição de horas de trabalho [...]».

Em 1900 a produção anual era calculada em 6000 t, em 1914 atingiu 25 000 t e em 1932 foram extraídas de São Pedro da Cova 183 289 t de antracite em bruto. Os sucessivos aumentos de produção corresponderiam a uma evolução de procura do produto, tomado componente energética indispensável ao desenvolvimento das indústrias, dos transportes e das próprias condições de vida na região do Porto. Porém, a tal expansão de produção corresponderiam não a melhoria, mas o agravamento das condições de trabalho dos mineiros.

Em 1927, no Congresso Nacional de Medicina, no Porto, o Dr. Carlos Ramalhão afirmaria que 30,4 % dos mineiros se encontravam atacados por ancilostomíase e destes muitos sofriam de anemia; embora a maior percentagem de diminuídos tivesse idade superior a 50 anos (um deles trabalhava na mina há mais de 42 anos) foram encontrados 23 com idades entre os 10 e 20 anos.

As temperaturas médias dos poços iam de 19,5° a 25° (os parasitas intestinais desenvolvem-se rapidamente a partir de 18°) e a humidade, de 19 % a 96 %.

Nos poços, em regra, não havia retretes ou eram rudimentares e em algumas minas águas e fezes corriam por uma vala.

Aquela comunicação descrevia assim a situação dos trabalhadores: «O mineiro vive em condições péssimas, quase sempre nu da cinta para cima, descalço, fazendo as suas refeições sem precauções de limpeza e defecando livremente em vários pontos das galerias.»

As duras condições de exploração, doença, miséria e invalidez e às condições de trabalho sub-humano assinaladas por notícias de acidentes e mortes nunca se vergaram os mineiros, que criaram uma tradição de luta em que várias vezes pagaram caro a coragem de defender o seu direito à dignidade.

Desta tradição são memoráveis a greve geral em 1923 provocada, segundo a imprensa, pela «situação miserável dos mineiros [...] dada a exiguidade dos salários» e tendo como causa imediata a suspensão de um camarada que teria sido encontrado «dormindo vencido pelo sono e pelo cansaço depois de 16 horas consecutivas de trabalho».

A greve terminou com a aceitação pela empresa proprietária da «admissão completa de todo o pessoal» suspenso e o «cumprimento integral do horário de 8 horas de trabalho», além de outras regalias salariais e sociais. Em Março de 1946 foram presos 27 mineiros por se oporem ao brutal aumento dos géneros fornecidos pela chamada «Cooperativa da Mina» e do agravamento das condições de trabalho; as suspensões, castigos e cargas de trabalho intensas fariam um rol inumerável, ao longo dos 150 anos de laboração das minas que, em 1941, em plena guerra, chegaram a produzir 330 000 t de carvão.

A revolução energética trazida pela electricidade produzida a partir dos recursos hídricos e, posteriormente, pela utilização do fuel-oil alteraram por completo as condições de exploração do carvão, reduzindo drasticamente os seus consumos doméstico e sobretudo industrial (CP, Carris do Porto, Central do Freixo, Fábricas de Tecidos de Santo Tirso, etc).

As minas de São Pedro da Cova puderam resistir a esta confrontação com os novos meios de produção de energia, enquanto a Central Termo-Eléctrica da