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II SÉRIE — NÚMERO 49

tará assinalar alguns dos princípios que deliberadamente foram erigidos em matriz e étimo legitimador das soluções técnicas por que se optou. Como convirá por outro lado, e a título meramente exemplificativo, pôr em relevo algumas destas soluções, muitas delas de cariz inovador. Antes, porém, será oportuno explicitar algumas das coordenadas que definiram o ambiente cm que a reforma teve de operar e que condicionaram, por isso, as linhas de equilíbrio e de superação de princípios de projecção muitas vezes antinómica, ditando deste modo, frequentemente, a preferência por uma certa solução técnica entre várias em princípio disponíveis.

Distinguir-se-á, para o efeito, entre condicionalismos exógenos e endógenos: os primeiros, derivados da cada vez mais intensa inserção de Portugal nas comunidades e organizações supranacionais e da cada vez mais acentuada sintonia com o ritmo dos grandes movimentos ideológicos, culturais, científicos, político--criminais e jurídicos que permanentemente agitam e renovam o rosto do mundo; os segundos, provenientes da experiência jurídica nacional e das idiossincrasias irrenunciáveis do nosso universo histórico-cultural.

3. No que aos factores exógenos respeita, ponderou-se atentamente a lição de direito comparado. Procurou-se, em particular, tirar vantagem dos ensinamentos oferecidos pela experiência dos países comunitários (Espanha, França, Itália, República Federal da Alemanha) com os quais Portugal mantém um mais extenso património jurídico e cultural comum; países de resto, todos eles, empenhados num processo de profunda renovação das instituições processuais penais. Igualmente se cuidou de analisar os resultados alcançados pelas aturadas investigações criminológicas empreendidas nalguns daqueles países e que incidem sobre a acção das diferentes instâncias que integram o sistema formal de controle da criminalidade. Sem se advogar nem pretender uma transposição mecânica de tais resultados, verdade é que não devem desatenderse as consistentes injunções político-crimináis que deles emanam, na perspectiva de um sistema apostado em maximizar e recionalizar o seu funcionamento; apostado, noutros termos, em obviar às elevadas «cifras negras» e às desigualdades que elas incorporam e em vencer os desajustamentos e disfuncionalidades entre as singulares instâncias e entre o sistema globalmente considerado c a comunidade ambiente.

Particularmente relevante para a elaboração do presente Código foi a ciência jurídico-processual penal dos países referidos. O que facilmente se compreende, certo como é ter sido a este poderoso movimento de elaboração dogmática que ficaram a dever-se os progressos registados na afirmação das implicações dos princípios basilares de um Estado de direito democrático e social sobre um processo penal que se quer sintonizado com tais princípios. À mesma doutrina devem, de resto, creditar-se os esforços mais consequentes na procura de alternativas susceptíveis de plasmar com maior eficácia, na experiência quotidiana, aqueles princípios e a axiologia última a que prestam homenagem.

Dcscipienda não foi, por último, a influência que irradia de um foro com o prestígio moral e cultural do Conselho da Europa, ao qual o nosso país se orgulha de pertencer, Recorde-se, a propósito, que inú-

meros temas de processo penal — com destaque, v. g., para os problemas da prisão preventiva, das garantias e direitos dos arguidos, dos processos acelerados e simplificados, da posição jurídico-processual da vítima, do sentido e âmbito de aplicação do princípio da oportunidade, etc. — têm constituído objecto de reuniões científicas sob o seu patrocínio e, não raro, de recomendações ou deliberações dos seus órgãos competentes.

4. Dentre as condicionantes endógenas deve evidenciar-se, em primeiro lugar, o relevo que no presente Código quis atribuir-se à tradição processual penal portuguesa. Procurou-se, cora efeito, que a busca da inovação c da modernidade se não fizesse com sacrifício indiscriminado de instituições e de princípios que, apesar de tudo, devem ser preservados como sinais identificadores de uma maneira autónoma de estar no mundo, de fazer história e dc criaT cultura. Paradigmático a este respeito é o que se passa com o estatuto da vítima-assistente, que nos singulariza claramente no contexto do direito comparado e por cujo modelo começam agora a orientar-se os movimentos dc reforma dc muitos países, sob o impulso das mais recentes investigações criminológico-vitimológicas.

importa referir, em segundo lugar, a Constituição da República e o Código Penal — dois diplomas que, pelo seu papel no contexto da ordem jurídica portuguesa, em muitos casos estreitam drasticamente o espectro das alternativas disponíveis, enquanto noutros casos predeterminam o sentido e o alcance das soluções a consagrar cm processo penal. Assim, a Constituição da República elevou, por exemplo, à categoria de direitos fundamentais os princípios relativos à estrutura básica do processo penal, aos limites à prisão preventiva como medida que se quer decididamente subsidiária, à regularidade das provas, à celeridade processual compatível com as garantias de defesa, à assistência do defensor, ao juiz natural. Por seu turno, de entre os-condicionalismos decorrentes do Código Penal pode salientar-se, desde logo, o que se prende com a sua fidelidade ao ideário socializador e que aponta pot sua vez, por exemplo, para uma autonomia, ao menos relativa, do momento processual de determinação e de medida da pena. Menos óbvias e significativas não são, de resto, as implicações decorrentes da circunstância de o Código Penal ter definido a indemnização, arbitrada ao lesado como consequência de um crime, como uma prestação de natureza civilística; o que não pode deixar de contender, por exemplo, com o princípio de um generalizado arbitramento oficioso, vigente no direito anterior.

Relevante foi, em terceiro lugar, a representação — que se quis tão aproximada e verdadeira quanto possível — dos principais estrangulamentos e desvios registados na praxis dos nossos tribunais e responsáveis pela frustração de uma justiça tempestiva e eficaz. Tais disfuncionalidades foram principalmente diagnosticadas: na existência da instrução, como fase necessária à submissão do feito a julgamento nos crimes mais graves; no desregramento em matéria de continuidade e de disciplina da audiência de julgamento e na invencível anomia do desrespeito dos prazos em geral; num sistema dc recursos que, por sobreinduzir ao abuso, se relevava paradoxalmente como oferecendo um segundo grau de recurso sem, simultaneamente,