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II SÉRIE — NÚMERO 49

b) Um segundo eixo estabelece a fronteira entre aquilo que se pode designar por espaços de consenso e espaços de conflito no processo penal, embora em boa medida sobreponível com a anteriormente mencionada — no tratamento da pequena criminalidade devem privilegiar-se soluções de consenso, enquanto no da criminalidade mais grave devem, inversamente, viabilizar-se soluções que passem pelo reconhecimento e clarificação do conflito —, esta segunda distinção possui sentido autónomo.

for um lado, abundam no processo penal as situações em que a busca do consenso, da pacificação e da reafirmação estabilizadora das normas, assente na reconciliação, vale como um imperativo ético-jurídico. Expressões do eco encontrado no presente Código por tais ideias são, entre outras: o relevo atribuído à confissão livre e integral, a qual pode dispensar toda a ulterior produção da prova; o acordo de vários sujeitos processuais como pressuposto de institutos como o da suspensão provisória do processo, o do processo sumaríssimo, a competência do juiz singular para o julgamento de casos em abstracto pertinentes à competência do tribunal colectivo, bem como as numerosas disposições cuja eficácia é posta na dependência do assentimento de um ou de vários intervenientes processuais.

Contudo, o Código não erige a procura do consenso em valor incondicionado. Pela natureza dos coisas, também aqui a absolutização só seria possível à custa do arbítrio, subalternizando à «paz» a própria vida e a autonomia humanas. Acresce que, não raro, o controle eficaz da criminalidade só pode lograr-se mediante a formalização da conflitualidade real. Paradigmática do respeito que esta consideração merece ao Código é, por exemplo, a possibilidade que assiste ao arguido de aceitar ou rejeitar a desistência da queixa ou da acusação particular. Da mesma postura relevam, em geral, todas as disposições que, como implicações do sistema acusatório, visam realizar, na medida do possível, a reclamada «igualdade de armas» entre a acusação e a defesa. O mesmo poderá ainda afirmar-se a propósito do reforço da consistência do estatuto do assistente, com a intenção manifesta de consolidar o papel de um dos protagonistas no campo da conflitualidade real.

III

7. O que fica dito permitirá uma mais fácil identificação e explicação dos contornos mais salientes da arquitectura do processo penal previsto no presente Código. Três notas complementares ajudarão a evidenciar outros tantos aspectos que imprimem cunho ao sistema delineado.

a) A primeira nota tem a ver com a estrutura básica do processo. Por apego deliberado a uma das conquistas mais marcantes do progresso civilizacional democrático, e por obediência ao mandamento constitucional, o Código perspectivou um processo de estrutura basicamente acusatória. Contudo — e sem a mínima transigência no que às autênticas exigências do acusatório respeita —, procurou temperar o empenho na maximização da acusatoriedade com um princípio de investigação oficial, válido tanto para efeitos de acusação como de julgamento; o que representa, além do mais, uma sintonia com a nossa tradição jurídico-processual penal.

b) Era segundo lugar, o Código optou decididamente por converter o inquérito, realizado sob a titularidade e a direcção do Ministério Público, na fase geral e normal de preparar a decisão de acusação ou de não acusação. Por seu turno, a instrução, de carácter contraditório e dotada de uma fase de debate oral —o que implicou o abandono da distinção entre instrução preparatória e contraditória —, apenas terá lugar quando for requerida pelo arguido que pretenda invalidar a decisão de acusação, ou pelo assistente que deseje contrariar a decisão dc não acusação. Tal opção filia-se na convicção de que só assim será possível ultrapassar um dos maiores e mais graves estrangulamentos da nossa actual praxis processual penal. E esteia-se, por outro lado, no facto de que todos os actos processuais que contendam directamente com os direitos fundamentais do arguido só devem poder ter lugar se autorizados pelo juiz de instrução e. nalguns casos, só por este podem ser realizados. Refira-se ainda que, como recorrência directa da opção de fundo acabada de mencionar, os órgãos de polícia criminal são, na fase de inquérito, colocados na dependência funcional do Ministério Público.

c) Inovador a muitos títulos é, em terceiro lugar, o regime de recursos previsto neste Código. Com as inovações introduzidas procurou obter-se um duplo efeito: potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e de eficiência e, ao mesmo tempo, emprestar efectividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntico.

Para alcançar o primeiro desiderato, tentou obviar--se ao reconhecido pendor para o abuso dos recursos, abrindo-se a possibilidade de rejeição liminar de lodo o recurso por manifesta falta de fundamento. Complementarmente, procurou simplificar-se todo o sistema, abolindo-se concretamente a existência, por regra, de um duplo grau de recurso. Por isso os tribunais de relação passam a conhecer em última instância das decisões finais do juiz singular e das decisões interlocutórias do tribunal colectivo c do júri, devendo o recurso das decisões finais destes últimos tribunais ser directamente interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por outro lado, é logo a partir da 1." instância que se começa por dar expressão à garantia ínsita na existência de uma dupla jurisdição. Com efeito, o Código aposta confiadamente na qualidade da justiça realizada a nível da 1 .a instância, para o que não deixa de adoptar as medidas consideradas mais adequadas e de supor que outras — que a ele não cabe editar— não deixarão de ser consagradas nos lugares próprios. Entre estas avulta a da separação entre os juízes que hão-de actuar como juízes singulares e os que pertencem aos tribunais colectivos. No mesmo enquadramento deverá interpretar-se o alargamento da competência dos jurados, agora extensiva também à matéria de direito, combinado com a diminuição sensível do seu número, que deverá ser estatuída pela lei complementar sobre o júri. No que aos recursos especificamente respeita, estabelece o Código um regime aparentado com a ideia do recurso unitário, em princípio idêntico para a relação e para o Supremo e abarcando, na medida possível e conveniente, tanto a questão de direito como a questão de facto. Com o mesmo propósito de emprestar ao recurso maior consistência, procura contrariar-se a tendência para fazer dele um labor meramente rotineiro