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II SÉRIE — NÚMERO 40

Armas para os «contras»

As notícias relativas ao papel desempenhado por Portugal no fornecimento de armas e munições aos «contras» da Nicarágua e no transporte de material bélico para o Irão provocaram, no mínimo, forte perplexidade, que não se dissolveu com os esclarecimentos que acabam de ser prestados pelas autoridades.

Como é sabido, têm-se multiplicado, na imprensa americana, as alusões ao nosso país, a propósito do duplo escândalo «Irangate-contras». Tais alusões não prestigiam a imagem nacional: Portugal surge como área privilegiada para transacções equívocas, país onde uma burocracia desorganizada e ineficaz permite um fácil tornear de procedimentos legais, com eventual recurso a corrupção; país que fabrica material de guerra «totalmente ultrapassado no âmbito da NATO»; bom apenas para os guerrilheiros do Terceiro Mundo ... Todas estas referências parecem algo empoladas, além de parcialmente inexactas: é inexacto que a produção bélica portuguesa seja totalmente imprópria para a NATO (os articulistas americanos confundiram, com característica superficialidade, material não sofisticado com material obsoleto); por outro lado, Portugal está longe de ser o único país envolvido neste processo.

Em nosso entender, não há razão nem para sobrestimar as notícias dos media americanos nem para que elas nos perturbem demasiado: o nosso ponto de referência não deve ser a imprensa americana — ou a de qualquer outro país. Todavia, subsistem questões concretas que interessam aos Portugueses e dúvidas que seria saudável esclarecer. Entre estas, ressalta a aparente discrepância entre esclarecimentos fornecidos ao Diário de Notícias por uma fonte do Ministério da Defesa e as declarações de Rui Machete: assim, enquanto a fonte ministerial informava que a encomenda, feita em 1985, de material destinado à Guatemala (mas desviado para os rebeldes anti-san-dinístas) fora aprovada por Figueiredo Lopes, secretário de Estado da Defesa, Rui Machete, que era então o titular da pasta, afirma que casos destes não eram despachados pelos ministros nem pelos secretários de Estado e que, durante a sua permanência no Ministério, não fora colocada qualquer questão relativa a armamento. Enfim, e tanto quanto sabemos, a venda de armas e munições está regulada por um processo burocrático e legal comum a todos os estados membros da NATO e nos termos do qual as encomendas destinadas a países estranhos à Aliança Atlântica são alvo de formalidades mais rigorosas.

Considerada nestes parâmetros, a questão não é, pois, líquida. Porém, outras se levantam, merecendo igual ponderação. De acordo com os dados de que dispomos actualmente, nada permite deduzir que o Governo português é responsável por um deliberado envolvimento. Mas, a confirmar-se esta ausência de responsabilidade (que, repetimos, parece estar assente, à luz das informações disponíveis), isso significa que é imperioso averiguar sobre as deficiências do nosso sistema de fiscalização. E significa também que Portugal e o seu Governo foram alvo de abuso de confiança, em jogo menos limpo, pela equipa de Oliver Norrh et alii. Eis o que exige um esclarecimento, tal como exigem esclarecimento as alegadas pressões americanas, veiculadas pela CIA, para que não fosse impedido o transporte de mísseis para o Irão.

Os Estados Unidos são, inquestionavelmente, ura poderoso e importante aliado de Portugal. A esta verdade acrescentaremos outra: nos meandros da política internacional há sempre (e seria irrealista negá-lo ou ignorá-lo) «zonas de penumbra», acordos não escritos, cooperações discretas. Mas tudo tem um limite; e nós somos um Estado soberano. Há que reagir em consequência; há que definir responsabilidades, internas ou externas; sobretudo, há que tomar medidas drásticas para evitar reincidências.

Mesmo porque, à medida que vão sendo feitas revelações sobre o «Irangate», perde consistência a simples dicotomia moral de «bons contra maus». O dinheiro do Irão de Khomeini (oficialmente anatemi-zado pelos Estados Unidos) serviu para financiar os «contras»; entretanto, se é verdade que os sandinistas perderam o prestígio moral de que gozavam quando derrubaram Somoza, é também verdade que os seus opositores armados não apresentam, de momento, uma imagem muito mais brilhante. Quer no caso do Irão quer no da Nicarágua, o interesse de Portugal parece ditar, com transparente nitidez, uma posição de nãc envolvimento. Essa posição tem de ser respeitada, isto é: temos de a fazer respeitar.

(Diário de Notícias, de 21-1-87)

Depois de prolongado silêncio face às acusações de envolvimento de Portugal no fornecimento de armas aos «contras» da Nicarágua, alguns departamentos governamentais abriram-se para o «Diário de Notícias». E ficou claro que a DEFEX esteve no jogo.

O jogo das armas

Uma fonte oficial do Ministério da Defesa confirmou ao Diário de Notícias que Portugal vendeu munições e armas, «mediante a emissão de certificados de destino final», para a Guatemala, as quais, efectivamente, foram parar aos «contras» da Nicarágua. Os pedidos para a exportação terão sido feitos pela DEFEX Portugal — Representações, Importações e Exportação, administrada por Marcelino de Brito, que foi candidato à presidência da direcção do Sporting.

Em contacto com a sua residência, na tentativa de averiguar o que de facto se terá passado, soubemos, pela esposa, que se encontra no estrangeiro, ficando assim temporariamente gorado o nosso intento. No entanto, a fonte oficial do Diário de Notícias é ps-rercptóriE na explicação parcial das coisas:

«Pediram-se, como exige a lei, pareceres do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que os dá sempre segundo as implicações que as exportações possam ter a nível de política externa.»

Continua o mesmo informador citado pelo nosso colega da manhã:

«Perante a resposta favorável do MNE a um pedido feito para a Guatemala, o processo seguiu o seu caminho legal para o Ministério da Defesa, então sob a responsabilidade de Rui Machete, onde recebeu a anuência do secretário de Estado em funções.»

Ainda de acordo com a entidade informadora, os certificados estavam correctos, nada fazendo prever que as armas iriam ser desviadas, bem como nada