27 DE ABRIL DE 1987
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discutir na Assembleia nüo 6 a cooperação, mas sim a dcvoluçüo às autarquias dc uma quaniidudc dc competências em matéria dc reparação, dc manutenção c, até, dc construção dc edifícios judiciários. Acontece, no entanto, que a resposta das autarquias locais, nas presentes circunstâncias, é pura e simplesmente «nüo». Isto 6, nüo aceitam ser os «bodes expiatórios» dos atrasos na conslruçüo dos edifícios judiciais — quanto sei, 6 o que se passa cm vários municípios. Aliás, vamos falar com a Associação Nacional de Municípios directamente sobre esta matéria. É que isso suporia um pacto, um consenso — aliás, como o Sr. Pro-curador-Gcral da República sublinhou —, que supõe, naturalmente, contrapartidas. É o clássico: «Tu fazes, cu dou--tc.» É impossível sair daqui, já que as autarquias nüo podem assumira responsabilidade dc passarem a sereias as imputadas pelo atraso da conslruçüo, por exemplo, do famoso tribunal dc Vila Praia da Vitória, dc que tradicionalmente falamos nas nossas conversas aqui.
Por outro lado, também nüo se podem resignar com o facto dc ser o Orçamento do Estado o portador dc uma verba dc 711 0(X) contos para resolver o problema da conslruçüo dos tribunais cm Portugal — é a situaçüo actual. Aliás, esse é o preço dc um palácio dc justiça dc tipo clássico. E com esta verba que o Ministério tem dc gerir a magra qucstiJo das construções c reparações. É claro que c possível enunciar uma quantidade dc projectos, mas quem lá anda verá o que acontece no terreno.
Tudo isto süo circunstâncias que dificultam muito a perspeclivaçüo da qucstüo.
Concretamente cm rclaçüo à estrutura da proposta governamental, linha algumas perguntas específicas a fazer, sobre as quais penso que era útil ouvir a opiniüo do Sr. Procurador-Gcral da República.
A propósito do tribunal colectivo c da sua configuração, devo dizer que nos tem surgido dc vários sítios a obscrvaçüo dc que, sendo reconhecidos por toda a gente os inconvenientes da justiça itinerante, tal como é praticada cm Portugal, será bem possível imaginar aquilo que por aí sc chama um sistema dc dupla corregedoria, sendo o julgamento colectivo feito por dois juízes dc círculo c pelo juiz do processo, decorrendo tudo na comarca, o que seria uma forma dc aproximação cm rclaçüo às populações que comporia várias modalidades que procuram conciliar as vantagens da proximidade com as da permanência. Creio que é um terreno cm que talvez seja possível inovar, sem os riscos da solução que está na proposta.
Em rclaçüo à qucstüo da distância, c nüo reproduzindo o que disse o Sr. Deputado Armando Lopes, por mim, estou convencido que os «ses» dc que o Sr. Procurador-Gcral da República fez depender o êxito do sistema estuo longe dc sc verificar. Isto é, nem o sisicma dc acesso nos termos que seriam desejáveis, nem os «ses» respeitantes à revisão do Código dc Processo Civil, nem cm rclaçüo às excepções às votações do colectivo que, para mim, süo uma charada c uma incógnita —nüo as conhecemos—, nem relativamente ao funcionamento da advocacia. Quer dizer, nenhum desses «ses» está preenchido nem c previsível que sc preencha na situaçüo política portuguesa mais próxima.
Também estamos preocupados cm rclaçüo às alçadas c às custas. Francamente, parccc-mc que o aumento que c proposto é totalmente absurdo, por excessivo, sobretudo no que respeita à justiça do trabalho.
Em rclaçüo ao artigo 11.8 c à rcslauraçüo das três classes dc comarcas, 6 evidente que isso teve uma espécie dc sinal dc abertura do Esialulo dos Magistrados Judiciais, mas creio que a soluçüo para um mal nüo será propriamente a dc
estabelecer um precedente maligno e depois dizer «Está feilo, continuemos pela mesma via.»
Se o Sr. Procurador-Gcral da República se pudesse pronunciar sobre a solução constante do artigo 11 muito lhe agradecia.
O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado, desculpe que o interrompa, mas gostava de dizer alguma coisa a propósito dc uma afirmação que fez a respeito da dupla corregedoria. Na verdade, esse sistema é um saudosismo que aparece à superfície dc vez em quando e que nüo é original. Dc facto, o Prof. Varela sempre teve como objectivo a dupla corregedoria, a qual já vem enunciada no Estatuto Judiciário dc 1962 como o sistema ideal. Todavia, penso que ele padece dc todos os defeitos do sistema dc justiça itinerante com uma possível atenuação, na medida cm que sc Irala de dois juízes privativos em vez de um só. Mas, quanto a ser itinerante, a justiça padece dos mesmos vícios.
A propósito do artigo ll.e, queria dizer que sempre estive — c várias vezes üve ocasião dc o dizer c escrever — conira esse sistema das três classes. Simplesmente, penso que esse problema das classes das comarcas nunca foi equacionado neste país com serenidade.
Quando, em 1977, a questão foi levantada, havia uma grande crispação que linha a ver com a carga ideológica que sc estava a viver. Então, as conotações eram sempre de tipo político. Quer dizer, não eram conotações intelectuais, eram ideológicas.
Não conheço nenhum sistema dc classes deste tipo e sou exactamente pela ideia dc que o acesso dos magistrados pode e deve ser feito segundo categorias ou escalões profissionais, mas que isso nüo deve ter a ver com o lugar geográfico onde exercem funções. É que, por exemplo, um tribunal dc polícia cm Lisboa, comarca dc acesso, pode, porventura, ser mais simples do que um tribunal dc competência genérica cm Vila Verde.
Quer dizer, a ideia dc organização judiciária, quando abordada cm termos dc escalões profissionais, deve sê-lo com referência à categoria dos tribunais e nunca à categoria das comarcas. Admitia perfeitamente que houvesse tribunais considerados dc ingresso, tribunais considerados de acesso e dc acesso final — que é uma categoria que me parece elaborada demais para a minha compreensão. No enlamo, o que me choca — não csiou a afirmar nada de novo, pois já o disse cm várias instâncias — é que sc tenha represtinado a ideia da comarca como espaço geográfico. É que, assim, o que sc vai afirmar é que o tribunal dc pequena causa na comarca dc Lisboa é um lugar dc acesso ou, então, será um lugar dc ingresso numa comarca dc acesso ou será um lugar dc ingresso numa comarca dc acesso final, o que é uma confusão diabólica. Portanto, penso que isto deverá obedecer a uma reflexão que tem preconceitos de ordem ideológica, positivos ou negativos, não me compele a mim qualificá-los, mas que não lem que ver com uma racionalização do sisicma.
Sc vamos para a ideia dos escalões profissionais, penso que o mais defensável seria dizer que há tribunais dc acesso c tribunais dc ingresso. Sc formos para essa solução, admito perfeitamente que um magistrado deva começar num tribunal dc competência genérica c dc pequena instância c só depois vá para um tribunal dc grande instância.
Mas sc pensarmos nos tribunais dc círculo, eles serão um lugar dc ingresso ou dc acesso? E o que será um tribunal dc pequena causa? Um juízo correccional será um lugar dc acesso ou dc ingresso? Nada disto aqui está dito c falia dizê-lo.