27 DE ABRIL DE 1987
2768-(5)
Portanto, cm minha opiniüo, original seria, sim, a alteração de tudo o que já deu provas dc ser uma fonte de situações gravosas para as pessoas que tem vivido num clima jurídico diferente daquele que este projecto vai criar.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Procurador--GcraJ da República.
O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado, recebo sempre com agrado c com grande prazer intelectual as críticas que fazem aos meus argumentos, mas dc facto não se trata dc, cm homenagem a uma certa originalidade, proceder à alteração do sistema, irata-sc, sim, dc fazer um diagnóstico dos males que acometeram o sistema judicial português.
Como o Sr. Deputado Armando Lopes sabe, há, por exemplo, tribunais colectivos que sc têm dc deslocar a áreas que ficam a cerca dc 100 km da sede, o que implica uma viagem dc cinco horas. Ora, quando esse tribunal colectivo chega à comarca, apenas lhe resta adiar o julgamento. Sc o Sr. Deputado pedir —c não sei sc, neste momento, o Ministério dispõe dc elementos— um mapa dos adiamentos dos tribunais colectivos, coisa que existia há anos c que tive ocasiüo dc estudar, verá que é impressionante o número dc adiamentos. Esses adiamentos ficam a dever-sc ao facto de o vogal do tribunal colectivo ter tido um réu preso c nüo ler podido fazer o julgamento ou ao facto dc o presidente do colectivo ter marcado um julgamento que náo pode realizar por ter surgido um outro cm que havia um réu preso ou ao facto dc o iribunal sc ler deslocado a uma comarca que dista 100 km, o que nüo lhe permitiu fazer o julgamento, etc.
Portanto, trata-se dc uma qucstüo dc organizaçüo c dc método c nüo dc uma qucstüo dc filosofia, porque é evidente que sc fosse possível dotar cada tribunal colectivo com um helicóptero para o deslocar todos os dias para a comarca, cu era apologista do sistema dc julgamento à porta dc casa.
Creio que a discussüo estaria um bocadinho viciada sc cu fosse aqui interpretado como vindo defender que a justiça que sc distancia das pessoas é uma boa justiça. Não sc trata disso, pois cu sou por uma justiça tanto quanto possível ao pó da porta. No entanto, cm termos da organizaçüo c dc método, sc fizermos uma análise científica das questões, veremos que hoje isso ainda não é possível.
Por outro lado, é verdade que há casos cm que o tribunal sc deve deslocar ao local do crime para fazer uma vistoria, uma inspecção, mas esses casos representam uma percentagem relativamente pequena. Aliás, hoje, há uma grande gama dc acções, como, por exemplo, acções sobre o estado das pessoas, que sc sc passarem na sede do círculo implicam um trabalho dc pouca duração, mas sc sc passarem na comarca podem implicar um dia dc trabalho. Inclucm-sc nesta gama dc acções as acções dc divórcio por mútuo consentimento, as dc divórcio litigioso cm que não haja dificuldade dc apreciação dc prova, etc. Enfim, são acções que o juiz julga, ás vezes, numa hora ou cm duas, podendo nesse dia fazer mais três ou quatro julgamentos, o que já não acontecerá sc os juízes fizerem uma deslocação dc 100 km, com a qual gastam cinco horas dc viagem.
Esta questão está tão estudada que seria fácil à Assembleia da República pedir ao Ministério os elementos existentes sobre a matéria. Todavia, queria que ficasse bem claro no espírito dos Srs. Deputados que cu não defendo uma justiça distanciada das populações. Só que, neste momento, náo encontro alternativa para uma certa organização que tem a ver com a gravidade, com a dimensão c com a própria estruturação processual das acções.
Por outro lado, cm termos dc direito comparado, penso que continuaríamos a ser originais — o que é bom — se conseguíssemos manter círculos com uma dimensão relativamente concentrada. Nüo sou, de modo nenhum, apologista dc ideia do distrito, mas penso que haveria um ccrlo equilíbrio se conseguíssemos organizar círculos relativamente concentrados na base, por exemplo, dos 40 km, 50 km ou 60 km.
Hoje, com as actuais vias de comunicação e meios dc transporte, uma distância de 50 km representa apenas cerca dc uma hora e meia dc viagem, o que nüo vai encarecer extraordinariamente a justiça.
O Sr. Deputado Armando Lopes disse também que os adiamentos tanto se fazem na comarca como no círculo, o que é verdade. Simplesmente, por motivos inerentes à estrutura do tribunal, um diagnóstico da situação leva-nos a aceitar que sc fazem muito mais adiamentos quando o tribunal colectivo ou nüo tem juízes privativos ou se tem dc deslocar. Naturalmente que se ele se vai deslocar para uma comarca dc periferia por causa dc um julgamento dc réu preso c o referido réu nüo é apresentado a julgamento ele não pode fazer outro julgamento, pois nüo teve tempo para o agendar.
No entanio, isto é muilo mais uma questão dc organizaçüo c dc método do que dc filosofia dc sistema. Nós estamos, fundamentalmente, dc acordo com os princípios, mas talvez estejamos cm ligeira discordância quanto às soluções práticas que têm a ver com o esludo sobre o terreno. Queria deixar muito claro que concordo que haja um tribunal colectivo cm Bragança ou em Braga, devendo--sc fazer um estudo c erigir, como princípio fundamental, a comodidade dos povos c a organização do tribunal, admi-lindo-sc, residualmente, a deslocação do tribunal nos casos cm que a própria organizaçüo judiciária nüo puder abranger estes princípios.
Dc resto, estes princípios que citei nüo süo novos c cslüo consagrados numa dcclaraçüo dc princípios da ONU sobre tribunais c a organizaçüo judiciária. Essa dcclaraçüo dc princípios, que é muilo pouco conhecida no nosso país, dá como assenic que as soluções da organização judiciária têm dc ser mais ou menos desconcentradas, sendo necessário alender aos casos dos povos que vivem isolados cm ilhas ou cm territórios que têm dificuldades dc comunicação. Ora, isso é que tem dc ser visto aqui no terreno c, portanto, longe dos princípios que nós temos estado aqui a arquitectar muito teoricamente.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Sr. Procurador-Gcral da República, gostaria, cm primeiro lugar, dc expressar o prazer que tenho cm vê-lo aqui novamente. Em segundo lugar, gostaria dc salientar que a qucstüo levantada pelo Sr. Deputado Armando irá ser, cm termos das grandes linhas desta Lei Orgânica dos Tribunais, o pomo fundamental dc uma eventual discórdia. No fundo, a grande novidade que esta Lei Orgânica nos traz c a da criação dos tribunais dc círculo c a da substituição do juiz itinerante ou do corregedor ou do presidente do círculo, como ultimamente sc chamava.
Não deixa dc ser curioso o facto dc uma experiência semelhante poder levar a juízos opostos, c a prova disso é a opinião dada pelo Sr. Deputado Armando Lopes, que lerá aproximadamente uma experiência idêntica à minha. Dc facto, parece-me que a soluçüo seguida até hoje da existência dc um juiz itinerante era, por várias razões, uma má