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27 DE FEVEREIRO DE 1988

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meios tendencialmente informais, dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos face aos poderes públicos ou, mais configuradamente, perante a Administração em sentido amplo. E foi assim que, logo no início dos anos 70, surgiu no horizonte, então colectivamente pouco claro, de alguns juristas portugueses; na linha que despontara na Suécia em 1809, mas que ganhara significativa difusão na 2.a década do actual século, ele seria o povo «a falar em voz alta», censurando, com total independência, «os erros, excessos e abusos dos poderes constituídos» (por exemplo, Revista da Ordem dos Advogados, 1972, p. 456, e, numa retrospectiva, 1977, p. 91).

A crescente intensificação do poder de intervenção administrativa não teve, em todos os países, uma contrapartida suficientemente «humanizante» quer das estruturas do aparelho quer da mentalidade dos agentes.

Ninguém fará, com pertinência, um juízo global de desfavor quanto à função pública, quando normalizadamente exercida, Mas o que acontece, não raramente, é que os funcionários, em vez de estarem ao serviço de uma função, se deixam enredar nas malhas, de sentido quase que «totalitário», da burocracia, que convola a função para os antípodas da disfunção. Passa como moeda corrente que a burocracia tende à expansão, embora se trate de uma expansão articulada pela própria ineficiência dos serviços e pelo apego aos interesses pessoais dos que a perfiguram. E ter-se-á, então, uma actividade administrativa convertida num spoil system; as justas necessidades públicas cedem o passo à perduração de um status organizado em termos de se exercer uma forma insidiosa de violência em relação aos cidadãos.

Certo é que caberá aos governos, quando responsáveis e quando possam disponivelmente governar sem crises gerais ou sectoriais à vista, promover acções continuadas de desburocratização e de reconversão de atitudes; essa desburocratização andará paredes meias com a desregulamentação: a intervenção estatal não deve indevidamente parametrar a Uberdade e a confiança das pessoas, desde logo, a confiança em que os seus assuntos sejam eficaz e celeremente resolvidos.

Claro está que não será de mitificar ou de absoluti-zar a desregulamentação. O Estado não poderá remeter--se para a asséptica e cinzenta posição de espectador; sejam quais forem os pressupostos de que parta, terá de continuar a editar regras e a estabelecer vínculos de actuação. E dá-se mesmo o caso de a ordem jurídica não se poder demitir, em muitos casos, de «regulamentar» a «desregulamentação», encontrada para esta a acepção anglo-saxónica de desregulation, que comporta uma acento fundamentalmente económico.

Questão diversa será a imperatividade de obviar a um excesso de regulamentação; tal excesso, ao invés de reforçar a regra de direito, propenderá à sua desvalorização. A intervenção legal, de qualquer tipo, deverá ser comedida e mantida na moldura do exequível. Salientou a este propósito Jacques Chevalier no estudo «Les enjeux de la déréglemantation»:

A proliferação dos textos e a aceleração do ritmo da sua produção torna muito difícil, mesmo impossível, o conhecimento e a assimilação do direito, quer para os administrados, quer para os profissionais do direito, ou para aqueles a quem cabe a sua aplicação. Como consequência, com-

pele largas franjas do direito a ficarem inaplicadas: a partir do momento em que o direito atinge uma área de excessiva complexidade, desponta ine-lutavelmente um défice de execução.

Ao que, assim, é dito no n.° 2 de 1987 da Revue du Droit Public (p. 293) não escapou a realidade portuguesa: a inflação, desconexão e instabilidade da produção regulamentar têm afectado, desde há muito, «o entendimento e a aplicação do direito pelos juristas» e a inteligibilidade da lei, mesmo para os não juristas; uma inteligibilidade que estará paredes meias com a sua praticabilidade (por exemplo, Revista da Ordem dos Advogados, 1984, p. 533).

1.2 — Acontece, no entanto, que, para além das mais excelentes intenções e objectivos, a actividade administrativa continua a ser, quer no plano interno, quer na sua repercussão externa, pouco transparente e dificilmente controlável. E por assim ser compreender--se-á o universal boom do Ombudsman. O que Powels ironizou, em 1969, como parecendo uma «ombudsma-nia», numa ideia depois retomada por André Legrand («Une institution universelle: POmbudsman?», na Revue Internationale de Droit Compare, 1973, p. 851) e por M. Barbet («De POmbudsman au médiateur», em «Aspects nouveaux de la pensée juridique», no Recueil em hommage à Mare Ancel, i, 1975, p. 232), corresponde, não a uma moda, mas a uma natural inevitabilidade, num propósito de normalizadora compensação ou de equilíbrio de forças e influências.

Tratar-se-á de flexibilizar e de tornar mais acessível a defesa das pessoas contra as más condutas, por acção ou omissão, da Administração.

É, com efeito, conhecido que o controle hierárquico, privativo da própria Administração, fica, muitas vezes, pelo menos indirectamente, à mercê da capacidade (e da «opacidade» ...) de «resistência» dos agentes sobre os quais incide. Por seu turno, o controle parlamentar genérico não se desenrola sistematizadamente; é um poder prevalentemente político-institucional e, até certo ponto, «virtual», nem sempre dotado de operatividade imediata e visualizável. Quanto ao controle judicial, ele tende a tornar-se, mais ou menos por toda a parte, um feixe de mecanismos complexos, onerosos e demorados.

Poderão, é certo, os administrados lançar mão, por sua iniciativa, do direito de petição que a Constituição reconhece nas modalidades da petição, representação, reclamação e queixa (n.° 1 do artigo 52.°).

Pertencer-lhes-á, de igual modo, o direito de informação a que se reporta o n.° 1 do artigo 268.° da lei fundamental:

Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados [...]

E, ponto será notar, o preceito constitucional é directamente aplicável e imediatamente vinculativo da Administração Pública, «mesmo sem lei que o regule. Em caso de recusa ou deficiente cumprimento deste dever não só a Administração responde pelos danos causados ao particular interessado como, se tal comportamento ocorrer antes da decisão final do processo, haverá vício de forma por preterição de formalidade essencial, invocável aquando da impugnação do acto