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II SÉRIE-A—NÚMERO 23

Decretos n.- 5650, de 10 de Maio de 1919, e 5864, de 12 de Junho de 1919, e a Portaria n.° 2700, do Ministro do Interior, de 6 de Abril de 1921).

Para além deste imenso atraso, pode afirmar-se que a situação em Portugal tem vindo a degradar-se, sobretudo porque as multas previstas naqueles diplomas legais como sanção para os actos de crueldade para com os animais [2$ e 15$ (!)] deixaram de ter qualquer valor intimidatório e ainda porque a fiscalização pelas autoridades da escassa legislação avulsa existente deixou praticamente de ser feita. Quanto às disposições convencionais, embora sejam direito interno português, de facto não são cumpridas. Portugal não pode continuar a permanecer «orgulhosamente só» numa Europa que considera a protecção dos animais como uma aquisição cultural irreversível. È, por isso, imperioso que a legislação portuguesa sobre a protecção aos animais se aproxime das das suas congéneres europeias, designadamente das dos restantes países da CEE.

4 — O projecto de lei que se segue inspira-se nas mais modernas leis europeias da especialidade, que são as que atrás ficaram referidas, e ainda nas convenções internacionais de iniciativa do Conselho da Europa, que Portugal subscreveu e cujos preceitos foram, por isso, reproduzidos no articulado.

Ao rigor dos princípios da zoofilia abriu-se uma importante excepção, na medida em que as touradas continuarão a ser permitidas, desde que no estilo tradicional português e com exclusão rigorosa das touradas à espanhola ou com sortes próprias desta, como é a sorte de varas.

A controvérsia sobre a permissão das touradas (à espanhola ou à portuguesa) já é antiga e conduziu à sua proibição absoluta durante a Monarquia pelo Decreto de 12 de Setembro de 1836. Esse decreto viria, contudo, a ser revogado pelo Decreto de 20 de Junho de 1837, que limitou a interdição às touradas à espanhola, regime que tem perdurado até hoje e que, considerando a força da tradição, será mantido.

Como afirmou o papa João Paulo II, «ao aprender a amar e respeitar as criaturas inferiores, o homem aprenderá também a ser mais humano com os seus iguais».

Para além de representar uma tentativa de recuperação do atraso cultural português cm relação à Europa neste domínio, a aprovação do presente projecto de lei terá também o objectivo humanista e pedagógico que lhe foi assinalado nestas palavras do Santo Padre.

Nestes termos, apresenta-se o seguinte projecto de lei:

CAPÍTULO I Princípios gerais Artigo 1.°

1 — São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-sc como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento ou lesões a um animal.

2 — Os animais doentes, feridos ou em perigo devem, na medida do possível, ser socorridos.

3 — São também proibidos os actos consistentes em:

a) Exigir a um animal, em casos que não sejam de emergência, esforços ou actuações que, em virtude da sua condição, ele seja obviamente incapaz de realizar ou que estejam obviamente para além das suas possibilidades;

b) Utilizar chicotes com nós, aguilhões com mais de 5 mm, ou outros instrumentos perfurantes, na condução de animais;

c) Adquirir ou dispor de um animal enfraquecido, doente, gasto ou idoso, que tenha vivido num ambiente doméstico, numa instalação comercial ou industrial ou outra, sob protecção e cuidados humanos— e para o qual a continuação da vida acarretará dor ou sofrimento irremediáveis — para qualquer fim que não seja a administração de uma morte imediata e humana;

d) Abandonar animais que tenham sido mantidos sob cuidado e protecção humanas, num ambiente doméstico ou numa instalação comercial ou industrial;

e) Utilizar animais para fins didácticos, de treino, filmagens, exibições, publicidade ou actividades semelhantes na medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimento consideráveis;

f) Utilizar animais em treinos difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em confrontar animais uns contra os outros, salvo na prática da caça;

g) Praticar a caça a cavalo;

h) Criar raposas ou outros animais daninhos com o objectivo de posteriormente os, caçar;

/') Organizar corridas dc cães com lebres vivas; J) Organizar provas de tiro a animais vivos.

4 — As espécies de animais em perigo de extinção serão objecto de medidas de protecção, nomeadamente para preservação dos ecossistemas cm que se enquadram.

CAPÍTULO II

Comércio e espectáculos corai animais; touradas

Artigo 2.° ;

Sem prejuízo do disposto no capítulo m quanto aos animais de companhia, qualquer pessoa física ou colectiva que explore o comércio dc animais, que guarde animais mediante uma remuneração, que os crie para fins comerciais, que os alugue, que se sirva de animais para fins de transporte, que os exponha ou os exiba com um fim comercial, só poderá fazê-lo mediante autorização municipal, a qual só poderá ser concedida desde que os serviços municipais verifiquem que as condições previstas na lei destinadas a assegurar o bem-estar dos animais serão cumpridas.

Artigo 3.«

Os animais não poderão ser vendidos a crianças com menos dc 16 anos de idade sem autorização do respectivo pai ou de quem exercer o poder paternal.

Artigo 4.9

1 — Qualquer pessoa física ou colectiva que utilize animais para fins de espectáculo, de exibição ou divertimento não o poderá fazer sem prévia autorização da Di-rccção-Geral dos Espectáculos e do município respectivo.