28 DE OUTUBRO DE 1992
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Comentário à apreciação critica feita peta Associação Nacional das Empresas Operadoras Portuárias (ANEE) ã proposta de lei n.» 34/VI, referente à. revisão do regime Jurídico da operação e do trabalho portuários.
1 — Numa visão propositadamente «inocente e ingénua» da actividade portuária, vem a Associação Nacional das Empresas Operadoras Portuárias (ANEE) apresentar os seus comentários à proposta de lei do Governo n.° 34/VI, referente à revisão do regime jurídico da operação e do trabalho portuários.
Começando por afirmar que existe livre concorrência no mercado da operação portuária, já que qualquer empresário que pretenda exercer tal actividade o pode fazer, acusa os sindicatos de serem a única barreira à livre concorrência no sector porque «impedem a racionalização do funcionamento e uma efectiva gestão das operações portuárias».
Esquece, contudo, a ANEE que o facto de o regime vigente (Decreto-Lei n.° 151/90, de 15 de Maio, e portarias complementares) impor aos utentes do porto a utilização conjunta dos serviços do operador e do u-abalhador portuário na execução da generalidade das actividades de carga e descarga de mercadorias na zona portuária (artigos 1.°, 4.° e 22.° do Decreto-Lei n.° 151/90) é o principal bloqueamento ao funcionamento das regras de mercado neste sector.
Com efeito, dadas as características de exclusivo reconhecidas à actividade de trabalhadores e operadores portuários, torna-se fácil que o preço da operação de carga e descarga de mercadorias (cf. artigo 1.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 151/90) seja fixado em função dos salários dos trabalhadores e das margens de lucro das empresas operadoras, sem ter em conta todos os condicionalismos que afectam o sector, onde avultam as mudanças tecnológicas e as linhas regulares de transporte marítimo, tornando excessivamente oneroso o transporte de mercadorias por via marítima e forçando os carregadores à procura de meios de transporte alternativo e, em última análise, contribuindo para a sobrecarga da rodovia e da ferrovia com as consequências ambientais e no plano do ordenamento do território de todos conhecidas, já para não referir os efeitos sobre a taxa de inflação e sobre a competitividade da indústria nacional.
Por outro lado, o facto de apenas os «chamados operadores portuários licenciados» (e os trabalhadores portuários) poderem efectuar as operações de carga e descarga de mercadorias transportadas por via marítima, em detrimento de outras entidades habilitadas para o fazer (os titulares de cais concessionados ou licenciados, os titulares de concessões de exploração do domínio público, de concessões de serviço público ou de obras públicas na área portuária e os tripulantes dos meios de transporte sempre que tal seja possível), reflecte-se negativamente no preço de tais operações por duas vias:
A via da fixação dos salários dos trabalhadores portuários e das margens de lucro das empresas de estiva (que têm vindo a diminuir devido ao aumento dos salários dos trabalhadores, já que o carregador não pode pagar tudo e há limites de competitividade que não podem ser ultrapassados sob pena de deixar de se escoar mercadoria por via marítima — v. quadros em anexo e artigo 29.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 151/90 (*); •
(*) As empresas de estiva têm sido excessivamente penalizadas por esta situação, como resulta claro do documento da ANEE objecto do presente comentário.
A via da cartelização da actividade com repartição de mercados contribuindo para limitar o desenvolvimento técnico e os investimentos [cf. artigo 13.°, n.° 1, alíneas b) e c), da lei de defesa da concor-tênda—Decreto-Lei n.° 422/83, de 3 de Dezembro].
No entanto, para a ANEE, na sua visão parcelar e perversa da actividade portuária, tudo isto é livre concorrência, tudo isto é funcionamento do mercado!
2 — Outra questão que a ANEE não compreendeu, ou não quer compreender, consiste no reconhecimento aos titulares de direitos de uso privativo de parcelas do domínio público, de concessões de exploração do domínio público, de concessões de serviços públicos ou de obras públicas na área portuária da liberdade de exercício de operações de movimentação de cargas e de actividades conexas com essas operações [artigo 1.°, alíneas b) e d), da proposta de lei n.° 34/VTJ.
Em primeiro lugar, é falso que os titulares de direitos de uso privativo de parcelas do domínio público possam exercer a actividade de movimentação de cargas nas áreas que lhes estão adstritas sem quaisquer exigências ou limitações.
Tais exigências ou limitações resultam, em primeiro lugar, dos respectivos títulos de uso privativo atribuídos, caso a caso, pela Administração.
Em segundo lugar, é preciso ter em atenção que estamos perante um pedido de autorização legislativa feito pelo Governo à Assembleia da República, e nada impede que o decreto-lei aprovado na sequência de tal autorização legislativa venha a formular algumas exigências ou limitações (necessariamente diferentes das que vigoram ou que venham a vigorar para as empresas de estiva) aos titulares de direitos de uso privativo de parcelas do domínio público, de concessões de exploração do domínio público, de concessões de serviços públicos ou de obras públicas na área portuária.
Em terceiro lugar, é necessário esclarecer que os titulares de direitos de uso privativo de parcelas do domínio público, de concessões de exploração do domínio público, de concessões de serviços públicos ou de obras públicas na área portuária não pretendem uma equiparação às empresas de estiva, nem sequer pretendem concorrer com elas na prestação de serviços nos portos nacionais. A única coisa que de facto pretendem é que lhes seja reconhecida a liberdade de exercício de operações de movimentação de cargas e de actividades conexas com essas operações nas áreas portuárias que lhes estão adstritas.
Aliás, era esta a solução originariamente consagrada no artigo 1.°, n.° 2, alínea f), do Decreto-Lei n.° 145-A/78, de 17 de Junho; no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.° 46783, de 27 de Janeiro, e no artigo 3.°, n.° 3, do Decreto--Lei n.° 282-B/84, de 20 de Agosto, pelo que não se compreendem as razões que aconselham que a operação portuária em cais privados ou concessionados seja levada a cabo pelo operador portuário com recurso aos trabalhadores portuários, quando pode ser levada a cabo com maior eficiência e economia de meios pelo titular das instalações portuárias com recurso ao seu próprio pessoal especializado para o efeito.
Nem mais!
As exigências de capital mínimo, de prestação de caução e outras garantias de capacidade técnica e financeira que se fazem às empresas de estiva têm toda a razão de ser, dada a natureza específica da actividade que lhes cumpre exercer. Tais exigências seriam redundantes, na maior parte dos casos, para as empresas titulares de cais ou terminais, sem prejuízo