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II SÉRIE-A — NÚMERO 4
5 — Também é falso, e só resulta de uma leitura tendenciosa da proposta de lei de autorização legislativa, que se pretenda «anarquizar [...] o trabalho portuário».
O que se pretende é organizá-lo em novos moldes, sujeitando os trabalhadores portuários ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, nomeadamente em matéria de cessação do contrato e noutras matérias onde a disciplina do contrato de trabalho dos trabalhadores portuários se afasta, sem justificação bastante, dos restantes trabalhadores nacionais, permitindo a constituição de empresas de trabalho temporário cujo objecto social consista na cedência temporária de trabalhadores portuários (nomeadamente em situações de «pico» ou de aumento da procura de mão-de-obra) e extinguindo o actual regime de inscrição e de exclusivo do trabalho portuário, reforçando embora a estabilidade do vínculo laboral à entidade empregadora (seja ela uma empresa de trabalho temporário — que virá substituir os actuais OGMOP — uma empresa de estiva ou uma empresa titular de cais ou terminais — com quadros privativos de trabalhadores portuários), criando mecanismos adequados a uma gradual e harmoniosa transição para o mercado de trabalho em condições idênticas às que vigoram para a generalidade dos trabalhadores portugueses. Estes mecanismos passam pela absorção dos trabalhadores portuários pelas empresas de estiva, pelas empresas titulares de cais ou terminais e pelas empresas de trabalho temporário, muito embora na medida das respectivas necessidades e nunca como uma imposição.
6 — A argumentação dos sindicatos também falha quando apelam para a segurança no emprego (artigo 53° da Constituição) e para a Convenção n.° 137 da OIT referente às repercussões sociais dos novos métodos de manutenção nos portos, ratificada pelo Decreto n.° 56780, de 1 de Agosto.
A segurança no emprego, conforme explica o Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos n.08 107/88 (in Diário da República, 1.' série, de 21 de Junho de 1988) e 372/91 (in Diário da República, 1.* série, de 7 de Novembro de 1991), entre outros, impede que se modifique o regime jurídico do trabalho portuário em termos tais que se crie uma situação de instabilidade ou precariedade no emprego, funcionalizando os interesses do trabalhador aos interesses da entidade patronal (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.' ed., 1.° vol., 1985, pp. 289-293).
Porém, nada disso resulta da proposta de lei n.° 34/VI, por muito que a Federação dos Sindicatos queira demonstrar o contrário.
Na verdade, o que objectivamente resulta daquela proposta de lei é que o Governo é autorizado a rever o regime jurídico do trabalho portuário «no sentido de extinguir o actual regime de inscrição e de exclusivo do trabalho portuário, reforçando, simultaneamente, a estabilidade do vínculo laboral à entidade empregadora e criando mecanismos adequados a uma gradual e harmoniosa transição para o mercado de trabalho, em condições idênticas às que vigoram para a generalidade dos trabalhadores portugueses» [artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da proposta de lei n.° 34/VI (sublinhado nosso)].
Mas, mais!
No âmbito desses princípios, o Governo deve prever formas de transição do regime de trabalho portuário vigente para o regime a aprovar [artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da proposta de lei n.° 34/VI], formas de transição essas que não poderão, evidentemente, atentar contra a segurança e a estabilidade no emprego dos trabalhadores portuários.
Não se quer criar «lotes de trabalhadores adventícios» nem «homens da rua», na expressão dos sindicatos, mas antes apontar soluções de transição, que passarão inevitavelmente pela absorção dos actuais trabalhadores portuários inscritos e registados pelas empresas de trabalho temporário a criar nos portos, pelos quadros permanentes das empresas de estiva e pelos titulares de cais ou terminais, nos termos que vierem a ser negociados a propósito de cada contrato de concessão.
Estas soluções de transição não são, evidentemente, previstas desde logo na lei de autorização legislativa, pois a sua sede própria será o decreto-lei a aprovar pelo Governo na sequência da autorização legislativa da Assembleia da República.
De qualquer forma, a Assembleia da República determina ao Governo que, na legislação a aprovar sobre trabalho portuário, preveja obrigatoriamente formas de transição de regimes, o que o Governo deverá fazer em sede de decreto-lei autorizado. Seria manifestamente despiciendo que esse problema fosse logo resolvido em sede de autorização legislativa, quando faz todo o sentido que o seja em sede de decreto-lei autorizado (senão não fazia sentido pedir a autorização legislativa).
7 — È precisamente neste ponto que residem grande parte dos erros da Federação dos Sindicatos Portuários na apreciação da proposta de lei do Governo.
Com efeito, a Federação dos Sindicatos Portuários parece confundir as exigências do artigo 168.°, n.° 2, da Constituição com um grau de densificação normativa que excede em muito o «conteúdo mínimo de objecto e sentido» de uma lei de autorização legislativa.
Conforme refere António Vitorino, in As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, versão polico-piada, Lisboa, 1985, p. 240: «[...] o sentido da autorização, sendo um dos elementos do 'conteúdo mínimo exigível' da lei de autorização, em relação à qual opera como condição da sua própria validade, só se encontra efectivamente contemplada quando as indicações a esse título constantes da lei de autorização permitam um juízo seguro de conformidade material do conteúdo do acto delegado em relação ao da lei delegante. Donde resulta que, se o sentido não tem que exprimirse em abundantes princípios ou critérios directivos (que, levados às últimas consequências, até poderiam condicionar totalmente em lermos de conteúdo o exercício dos poderes delegados), deverá, pelo menos, ser suficientemente inteligível para que o seu conteúdo possa operar com clareza como parâmetro de aferição dos actos delegados e consequentemente da observância por parte do legislador delegado do essencial dos ditames do legislador delegante.»
Ou seja, o que é essencial é que a lei de autorização legislativa contenha um conjunto de princípios ou critérios directivos que possam funcionar como parâmetros normativos de aferição da conformidade dos actos delegados com a lei de delegação.
Na proposta de lei n.° 34/VI não se passa nenhum «cheque em branco» ao Govemo, definindo-se claramente os parâmetros e os princípios pelos quais se há-de pautar a actividade legiferante do Governo.
Com efeito, refere-se claramente o sentido e o alcance da autorização (cf. artigos 1.° e 2.° da proposta de lei n.° 34/VI), o seu objecto e os critérios e princípios fundamentais que deverão ser observados pela íegislação a emitir pelo Governo (cf. artigos 1." e 2.° da proposta de lei n.° 34/VI).