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II SÉRIE-A —NÚMERO 25
jecto seja o exercício de funções ou prestação de serviços por entidades individuais, que estão sempre sujeitos a fiscalização prévia, qualquer que seja o seu valor».
Esta norma corresponde à repescagem ipsis verbis do n.° 2 do artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 105-A/90, de 23 de Março, que aprovou as regras de execução orçamental para o referido ano fiscal.
Então objecto de um pedido de declaração de inconstitucionalidade ao Tribunal Constitucional, per parte do Provedor de Justiça, em 28 de Dezembro de 1990, e por constituir matéria de reserva da Assembleia, a norma deixou de ser consagrada nas regras de execução orçamental a partir do Decreto-Lei n.°72-A/91, de 8 de Fevereiro.
Aliás, quanto às consequências práticas deste controlo, a Associação Nacional de Municípios Portugueses disse, então, a respeito desta norma, que, «considerando a dispersão geográfica das autarquias locais, a concentração do Tribunal de Contas em Lisboa, a urgência na solução de inúmeros problemas locais que exige a contratação de pessoal em situações difíceis, poderá avaliar-se o resultado da aplicação daquela legislação, a qual originou bloqueamentos tão graves que estão a causar prejuízos incalculáveis.
Vejam-se as dificuldades acrescidas na contratação de pessoal para tarefas urgentes, integradas em projectos comparticipados pelos fundos estruturais comunitários com calendário, que têm de ser cumpridos para não se perder o financiamento; vejam-se as dificuldades que se levantam em face de trabalhos originados por calamidades ou por estragos excepcionais nos equipamentos dos serviços essenciais; veja-se que um simples contrato com um artista, para actuar em festa local, tem de ser sujeito a fiscalização prévia Enfim, situações que se apresentam diariamente ao gestor municipal, que, não sendo resolvidas com celeridade, causam prejuízos e descrédito».
A proposta apresentada de reforço das condições do visto prévio vem, aliás, ao arrepio da linha evolutiva europeia neste domínio — nos países em que existe o visto prévio: Bélgica Luxemburgo, Grécia e Itália além de Portugal — de o limitar a actos ou contratos de significativo volume financeiro da administração central (v. Alfredo José de Sousa «Tribunal de Contas, quisto da democracia», in Expresso, de 5 de Outubro de 1992).
mterrogamo-nos, por outro lado, sobre se não se estará a abrir a porta à inundação do Tribunal de minudências inexpressivas que lhe retirem a capacidade de intervenção útil e credível.
13 — No artigo 15° altera-se o sistema de interrupção do prazo do visto tácito. Assim, onde se falava em interrupção surge agora suspensão, querendo, eventualmente, aludir-se à ideia de que os dias contados desde a entrada em Tribunal dos documentos sujeitos a fiscalização «não inutiliza a contagem do prazo anterior a eventual devolução de documentos ou pedido de elementos adicionais em falta».
A pretensão de celeridade que a norma visa, ao encurtar o prazo de pedido de documentos para 15 dias, pode, porém, dificultar, de modo extremo, a eficácia e os poderes de fiscalização tempestiva do Tribunal.
14 — Parece adequada a fixação de jurisprudência obrigatória para o Tribunal, mediante acórdão, superando-se assim a declarada pretensão da Lei n.° 86/89 de fixação de jurisprudência interpretativa de normas legais mediante assento, o que é manifestamente inconstitucional a partir da Lei n.° 1/82, de 30 de Setembro (cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 1991, pp. 1012 e segs.).
15 — No artigo 30.°, respeitante à audição dos responsáveis, nos casos sujeitos à apreciação do Tribunal de Contas, é suprimida a indicação «esta audição faz-se antes de o Tribunal formular juízos públicos».
Entendendo-se os juízos públicos como as decisões do Tribunal tomadas públicas, é de considerar que a explicitação, ou não, da regra é inócua, porquanto, nos termos constitucionais, está consagrada a publicidade da justiça (artigo 209.° da Constituição da República Portuguesa).
16 — No que respeita à incompatibilidade do exercício de função pública ou privada do Presidente e dos juízes do Tribunal de Contas, o artigo 43.° do projecto de lei n.° 276/VI vem pronunciar-se sobre o preceito constitucional que excepciona do princípio da exclusividade das funções do juiz o exercício das funções de ensino e investigação jurídica não remuneradas.
Assim, nos termos do artigo 218.° da Constituição da República Portuguesa, os juízes só podem desempenhar, para além da sua actividade profissional de juiz, «funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei».
A excepção das funções de ensino ou investigação jurídica explica-se porque «não são incompatíveis com a função judicial, antes podem contribuir para o aperfeiçoamento desta; com a condição da não remuneração, não criam dependências financeiras; a garantia constitucional da Uberdade de ensino (artigo 43.a) impede qualquer indevida dependência funcional» (Constituição da República Portuguesa Anotada, Lisboa, 1985, Gomes Canotilho e Vital Moreira).
A ideia de que as funções docentes ou de investigação, ainda que não remuneradas, «só podem ter lugar em instituições que não beneficiem de verbas do Orçamento do Estado ou de que o Presidente ou juiz não sejam sócios, associados ou cooperadores», contida no projecto de lei n.° 276/VI em apreço, constitui, no entanto, uma restrição da extensão e alcance do preceito constitucional que permite a docência e investigação gratuitas dos juízes.
Aliás, o projecto de lei n.° 276/VI contém ingredientes que o podem caracterizar como lei individual e concreta, de natureza restritiva, o que se traduz na violação do princípio material da igualdade, discriminando de modo arbitrário um cidadão em relação a outros, e, no caso, os juízes do Tribunal de Contas, face aos restantes magistrados judiciais e aos cidadãos em geral.
O projecto de lei n.° 276/VI parece enquadrar-se na categoria das «leis individuais camufladas», as que «materialmente. Isto é, segundo o conteúdo e efeitos, se dirigem, na realidade, a um círculo determinado ou determinável de pessoas». Nesse sentido, é lei individual restritiva in-. constitucional, por violação do artigo 18.°, n.° 3, toda a lei que «imponha restrições aos direitos, liberdades e garantias de uma pessoa ou a um círculo de pessoas, que, embora não determinados, podem ser determináveis através da conformação intrínseca da lei e tendo em conta o momento da sua entrada em vigor» (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, 1991, pp. 626 e segs.).
Assim, o preceito do artigo 43.°, n.° 2, do projecto de lei n.° 276/VI, ao exrtfiirúr, no caso dos juízes, a excepção da exclusividade profissional às funções docentes e de investigação não remuneradas, mostra-se, neste plano, em consonância com o texto constitucional, mas coloca-se contra a Constituição quando, desproporcionadamente, estabelece a impossibilidade do exercício das funções, de docente e de investigação científica gratuita «em insátuições que não beneficiem de verbas do Orçamento do Estado ou de que o Presidente ou juiz do Tribunal de Contas não sejam sócios, associados ou cooperadores».
Ademais, bastará o primeiro termo da alternativa do disposto no n.° 2 do artigo 43.° para nos conduzir à conclusão de que a docência e a investigação não remunerada dos juízes do Tribunal de Contas só será possível em instituições que não beneficiem de verbas do Orçamento do Estado. O que nos conduz, por sua vez, à dúvida sobre a exis-