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II SÉRIE-A — NÚMERO 42

Permite o acesso geral a documentos nominativos decorridos 50 anos sobre a data da morte da pessoa a que respeitam os documentos ou mediante autorização da pessoa a quem os dados se refiram [alíneas a) e b) do n.° 3 do artigo 3.°].

O projecto de lei n.° 399/VI omite qualquer regra similar à da alínea o) do n.°2 do artigo 8.°: acesso de terceiro «quando a comunicação dos dados pessoais tenha em vista salvaguardar o interesse legítimo da pessoa a que respeitem e esta se encontre impossibilitada de conceder autorização». A omissão parece decorrer da natureza dos dados específicos a que se reporta.

2 — Chamada a depor nesta matéria será ainda (e chamam-na, de facto, os subscritores do projecto de lei) a Lei n.° 10/91, de 9 de Abril, relativa à protecção de dados pessoais face à informática, que recorta com grande nitidez o direito de acesso de cada pessoa às informações sobre si registadas em ficheiros automatizados, bancos e bases de dados (excepcionados, nos termos da lei ordinária em apreço e também da Constituição, os princípios em vigor sobre segredo de Estado e de justiça — artigo 27.°).

A protecção dos dados informáticos, relevante aqui em razão dos princípio que lhe inerem e também da circunstância de o projecto de lei n.° 399/VI admitir que a futura publicação e difusão dos documentos se socorra de «novas tecnologias e suportes de informação gráficos, visuais, informáticos ou outros» [alínea c) do artigo 4.°] tem, por sua vez, configuração constitucional (artigo 35.°) e um regime bem identificado. Sublinha-se que os direitos fundamentais em sede de defesa contra o tratamento informático de dados pessoais se desenvolvem em três direcções: a do direito de acesso por cada pessoa aos registos informáticos para conhecimento dos seus dados pessoais, a do direito ao sigilo em relação aos responsáveis pelos ficheiros, a do direito a que certo tipo de dados não sejam informatizados (cf. por todos Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.' ed., Coimbra, 1993, p. 215).

3 — Na égide desta protecção de dados está a tutela de outro direito que, aliás, o projecto de lei n.° 399/VI tem em conta: o já enunciado direito à intimidade e reserva da vida privada.

Com consagração constitucional hoje (artigos 25." e 26.°) ele começa o seu percurso legal e afirmação doutrinária por via do Código Civil de 1966. É aí que se diz, antes de a maioria das legislações o fazerem, que «todos devem reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem» e que «a extenção da reserva é definida conforme a extensão do caso e a condição das pessoas». A esta formulação parece não ser indiferente a chamada «teoria das três esferas», de raiz dogmática germânica e depois acolhida e também elaborada por autores portugueses. De acordo com ela, a vida privada comporta três camadas: a vida íntima, que se reporta a todos os factos e relações sociais que devem ser apartados do conhecimento alheio; a vida privada, à qual se imputam os factos e relações que cada pessoa partilha com um grupo estrito de pessoas; e a vida pública, ou os eventos em que se traduz a participação pessoal na vida colectiva (cf. Rita Amaral Cabral, O Direito à Intimidade da Vida Privada, Lisboa, 1980; Cunha Rodrigues, «Perspectiva jurídica da intimidade da pessoa», Jornal de Letras, de 13 de Abril de 1994, p. 28). Recolhe consenso a ideia de que o direito português abrange no âmbito de protecção da intimidade as esferas «íntima» e «privada». Do mesmo

modo, insiste-se em que «a perfeita compreensão do sentido de intimidade da vida privada não dispensa, nas actuais condições de vida em sociedade, o recurso à ideia de dignidade humana que a Constituição, aliás, prevê expressamente ao dispor que a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias» (cf. Cunha Rodrigues, op. cit. e loc. cit.). Aliás a dignidade, como princípio rector da Constituição e co--fundamento, com o direito à liberdade, do próprio princípio da culpa, vem sendo sublinhada desde o texto fundamental de 1976, designadamente por J. Sousa Brito (in «A lei penal na Constituição», Estudos sobre a Constituição, Lisboa, 1978, p. 199). Trata-se de uma opção axiológica constituinte que deve ser respeitada pelo direito ordinário e, correspectivamente, orientar a sua interpretação. Na síntese feliz de um autor, a dignidade humana que a lei fundamental sufraga assenta «na ideia (negativa) de uma recusa do inumano ou infra-humano, a qual deve ser defendida em relação a todos os homens e, depois, na ideia (positiva) de uma possibilidade e abertura para a pletora do humano, que é também colectiva, mas deve permitir, para ser completa, numa expressão livre de cada um na procura do máximo de realização pessoal» (cf. Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, Coimbra, 1975, p. 31).

Como ficou já dito, o projecto de lei n.° 399/VI excepciona da consulta pública os documentos que aludam a pessoas singulares identificadas ou identificáveis e abrangidos pela «reserva da intimidade da vida privada e familiar e pela garantia legal do direito ao bom nome e à reputação», o que revela a sua opção por terminologia por assim dizer clássica nesta matéria. A reserva comprime-se sempre que seja a pessoa a quem os dados digam respeito

a solicitá-los, mediante autorização que ou decorridos 50 anos sobre a sua morte (artigo 3.°). E comprime-se do mesmo modo se forem os documentos solicitados por quem demonstre interesse pessoal e directo, aplicando-se então a lei do arquivo aberto supracitada.

4 — Sujeitos a consulta pública estarão todos os documentos que, «não contendo dados pessoais referentes a terceiros, revelem a identidade ou descrevam e apreciem a actuação» dos agentes e responsáveis da extinta PIDE/ DGS e LP ou «digam respeito a estruturas e pessoas colectivas pertencentes à orgânica do regime derrubado em 25 de Abril dè 1974 [alínea a) do n.°2 do artigo 2.°]».

A Constituição Portuguesa mantém a vigência da Lei n.°8/75, de 25 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 16/75, de 23 de Dezembro, e pela Lei n.° 18/ 75, de 26 de Dezembro (n.° 1 do artigo 264.° da Constituição da República Portuguesa). Trata-se, como tem sido profusamente afirmado, de um dos muitos casos em que a Constituição assume a não aplicação de direitos fundamentais (em matéria penal, substantiva e adjectiva) a um universo. E esta não aplicação assume a importância de critério interpretativo do próprio sistema de direitos fundamentais e permite chegar àquilo a que Canaris chamou apuramento, «por detrás da lei e da ratio legis», da «ratio júris determinante» (cf. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, Lisboa, 1989, p. 77)

A ordem constitucional portuguesa reconhece que os pilares básicos do Estado de direito vigoram independentemente de uma sua concretização positivo-legal em certo momento histórico (o período de duração do Estado Novo) e em nome dessa vigência legitima a