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II SÉRIE-A — NÚMERO 51

;-3—Crimes contra a liberdade sexual -

; Inserção dos crimes sexuais no núcleo dos crimes contra a liberdade, por outra banda, ? :. De. um capítulo titulado «Crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida em comunidade», inserido no título ni da parte especial («Crimes contra.os valores .e interesses da vida em sociedade»), que desaparece, passam, como se disse, para a sede dos crimes contra a liberdade. Muito longe de corresponder a simples formalidade, a alteração tem subjacente uma notável mutação da filosofia jurídica: sobre esta matéria e possui, portanto, implicações na interpretação de todos os tipos penais aqui contidos. - r V -..

A ideia foi depurar os chamados crimes sexuais de referências éticas de: que oi direito penal deve ser alheio e tomar apenas os comportamentos que inequivocamente agridem a chamada.«liberdade sexual». "

Sublinham-se as orientações político-crimináis a que a alteração legislativa obedece.- ■' i . ~;

. Em primeiro lugar, o princípio de que a uma sociedade plural compete assumir a sexualidadecomo manifestação da auto-realização pessoal, e eximir-se por isso de favorecer valorações globais, a seu respeito, antes procurando fomentar a expressão de comportamentos que manifestem opções díspares sobre- esta matéria.

Em segundo lugar — e é esta uma consequência do primeiro aspecto apontado-^-, a consideração de que um com^ portamento só deve .ser considerado criminalmente des valioso nesta sede quando se entenda que a uberdade pessoal de alguém foi lesada. '.- :. •■/. . ' - • »

Em terceiro fugairum.entendimento da liberdade pes^ soai relevante para este efeito que se densifica em: termos muito estritos. Serão atentórias dela as condutas

Deste modo, toma-se a ideia de que o direito penal se limitará à protecção de ataques contra a liberdade sexual quando seja utilizada força, coacção grave ou se, aproveitem situações de menor defesa ou ausência dela no caso de vítimas adultas; e quando atente.contra o livre desenvolvimento da personalidade, tratando-se de menores. ... ' . . '. .. ' '

.Assim se explica que os actos exibicionistas (artigo 171.° da proposta) impliquem agora que outra pessoa seja importunada, e não mero «escândalo» ou. ofensa ao «sentimento geral de pudor ou de moralidade sexual», como acontece por via do artigo 212.°

(') Este reconhecimento e correspectivo respeito pela liberdade e capacidade de decisão do adulto tem sede constitucional no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito à liberdade. E ocra a relativa vagueza da norma constitucional obsta.a que se lhe costumem imputar consequências importantes nesta sede. Escreve J. L. Diez Ripoltes sobre a regra congénere da Constituição Espanhola: «A sociedade pluralista nao se desmorona por nela conviverem concepções cépticas, utilitarias ou lúdicas da sexualidade.— nao precisa de uma valoração global da sexualidade para a sua subsistência. Deve adoptar uma atitude neutra perante à conduta sexual no seu conjunto,'portanto.» (Cf. El Derecho Penal ante el Sexo, Bàrcelona,'l98l, p. 137.) . / .', *:',•■"

Por outro lado, a protecção dos menores acontecerá quando os ac^os sexuais ponham em perigo o seu desenvolvimento. Será o caso do abuso sexual de crianças (artigo 172.°) ou dos comportamentos homossexuais com menores (artigo 176.°)..

Dir-se-á nesta situação dos menores que a imaturidade da vítima, a sua menor capacidade para se autodeterminar, releva nesta sede, sem que com esta relevância se pretenda orientar-lhe a evolução da personalidade de acordo com valorações ou necessidades sociais determinadas, mas antes garantir-lhe uma protecção de modo tal que seja o jovem a fixar os seus próprios padrões e valores, à medida que caminhe para a maturidade.

■ Todavia, é sabido que o horizonte da incriminação de comportamentos sexuais com menores não consegue desprender-se por completo de motivações éticas. Em boa verdade, nada garante à partida que um menor se desvie do plano de vida e da construção de personalidade para que se inclina pelo facto de ser sujeito de prática sexual homossexual ou de ser seduzido a ter conduta heterossexual (2).

Será mesmo.o direito penal sexual aquele que menos pode resistir a evidenciar uma inexorável conflituaüdade dè-critérios e de opções, aquele em que a separação entre a zona criminal ea que não merece tal relevo é mais difícil. O espartilho do «bem jurídico», tão eficaz e prestável noutras sedes, afrouxa aqui um tanto. Pois não é tão indiscutível proteger a vida, a integridade física ou o património como será decidir da incriminação da pornografia (delimitando com rigor o conceito) ou mesmo da prostituição. O bem jurídico é aqui mais volátil, e por isso se reconduz'muitas vezes a uma não bem definida «moral pública» ou a um enigmático «sentimento geral de decência» sempre susceptíveis de comportar vários conteúdos. E acresce a esta teia de significados a circunsiância de ser o-mundo da moral sexual um mundo de tendencial insiheeridade, uma terra com zonas de penumbra que não é simples, nem porventura possível, identificar em muitos dos seus .aspectos.

- Daí a concessão a uma certa irracionalidade nas opções incriminatórias, postergando de uma ideal «liberdade de determinação»,.em favor do respeito por sentimentos e valores sociais difusos — concessão a que muitas vezes são sensíveis as leis, e que a reforma assumidamente faz.

Deste modo, raramente ela se arreda em absoluto de conteúdos morais com alguma relevância social. O corte radical com tipificações correspondentes à protecção de valores e costumes durante muito tempo assumidos por boa parte' da consciência colectiva é, como se disse, muito difícil, e disso mesmo faz prova a subsistência na propos-tade dois resquícios do direito penal sexual «antigo».

A demonstração mais evidente de que isso acontece seta a tipificação do estupro, que no entanto sofre na proposta um .importante esbatimento «ético». O estupro (artigo 174.°) aparece como crime ambivalente e a sedução referida no tipo não se concretiza em «promessa séria de casamento» — como acontecia no Código de 1982 (artigo 204.°), que assim integrava uma alusão à provec^ãa da

(5).Paul Bockelmann, pioneiro da dogmatização da parte especial, é peremptório a este respeito: falar em danos ao desenvolvimento do jovem é pôr em causa todo o processo educativo, argumenta. o dano sò existe quando o resultado é digno de reprovação, e essa reprovação, desconhecem-na as normas incriminadoras. e por aqui se conclui que a lei penal não quer apenas garantir a liberdade sexual mas também orientar para comportamentos não marginais (cf. Ztir Reform des Sexualsirafreclils Mäurach Festschrift. 1972, pp. 412-414).