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2 DE JULHO DE 1994

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5 — Crimes contra a ecologia

Os novos tipos que a reforma consagra neste domínio foram justificados por razões de adequação social e inequívoca dignidade penal. A reforma estruturou um crime de dano (artigo 219°) e um crime de perigo comum (artigo 280.°).

A estes acrescentou a revisão ministerial o tipo de danos contra a natureza (artigo 278.°), cuja vocação é mais genérica e reforma o princípio de que a matéria tem dignidade bastante para estar incluída no diploma penal nuclear.

A relevância criminal de certos atentados contra o ambiente vinha sendo sustentada por Figueiredo Dias desde há muito. «A intervenção do direito penal na manutenção e na restauração de um ambiente sadio justifica-se precisamente à luz da específica função de protecção de bens jurídicos que a este ramo de direito compete», sublinhava em estudo dedicado ao tema em 1978 (8).

O que já não era pacífica era toda a ordem de problemas que emergiam dessa criminalização, a saber, lugar de inserção dos novos tipos penais e a configuração jurídica que deveriam assumir.

Era indiscutível para Figueiredo Dias que a melhor solução seria constarem os crimes ecológicos de legislação extravagante. Não redundava tal opção em menos consideração pelos tipos a criar, e constituiria um factor de ajustamento à sua natureza e ao regime legal que melhor lhes competia.

Dava-se por adquirido que a legislação penal não codificada não sofria prejuízo de relevância e se limitava a afei-çoar-se a realidades carentes de resposta distinta dá que o direito penal codificado pode oferecer.

Não sofria de relevância: um crime grave poderia muito bem ter assento próprio fora dos muros do Código Penal, sem que isso significasse esbatimento do seu desvalor real.

Afeiçoava-se melhor assim o regime aplicável às exigências dos tipos em questão. Isto evidenciava-se principalmente em dois planos, que eram o da eventual responsabilidade de pessoas colectivas por crimes ecológicos e o da natureza da sanção penal que aos mesmos competia.

Sendo regra vigente em larga mancha de códigos penais o carácter pessoal da responsabilidade, e convindo ao bom êxito da incriminação de práticas antiecológicas a responsabilização das pessoas colectivas, a quem se deve uma muito significativa parte de tais condutas, era a legislação não codificada a que melhor se afeiçoava ao cumprimento desse objectivo (*).

Por outro lado, a vantagem em estruturar sanções penais estreitamente ajustadas à índole dos crimes ecológicos deporia no sentido da sua inclusão em leis avulsas, que muito bem estariam em condições de, do mesmo passo, ser aplicáveis a pessoas colectivas.

No plano dogmático,' pronunciava-se a doutrina portuguesa pelo não entendimento dos crimes ecológicos como crimes de dano, em razão da tendencial inoperância daí decorrente: facultando uma'sua aplicação excessivamente frequente e difusa, perderiam a requerida oportunidade e acabariam por cair em descrédito (l0).'

(*) Cf. «Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente», Revista de Direito e Economia, ano iv, n.° I, Janeiro-Junho de 1978, p. 10.

(') «Integrar os delitos ecológicos nos códigos penais significaria pois, as mais das vezes, conceder um tratamento privilegiado às pessoas colectivas perante as pessoas individuais, tanto mais injustificado quanto — como se disse— é sem dúvida entre aquelas que hoje se depara com as maiores responsabilidades pela deterioração ambiental.» (Cf. Jorge de Figueiredo Dias, «Sobre o papel do direito penal...», cit.'. pp.. 12 e 13.)

(10) Cf. Vv{,vie'\teó.o Dias, op. cit.. p. 16.

Enquanto crimes de perigo comum, por sua banda, fale-cer-lhes-ia a susceptibilidade de ser produzida pcó.va de criação da ameaça, caso fossem de perigo concretos e colidiriam possivelmente com o princípio da culpa, rjra^outra hipótese de se tratar de crimes em perigo abstractp.

Por isso, defendia Figueiredo Dias a sua construção como «delitos de desobediência à entidade qsjtadual encarregada de fiscalizar os agentes poluentes c pompe-lente para lhes conceder autorizações ou lhes impor limitações ou proibições de actividade» ("). '].'

Catorze anos volvidos, a reforma lança mão de várias ideias-força contidas nesta reflexão do presidente da Comissão Revisora do Código, mas cura de proceder a uma adaptação que o decurso do tempo tornara inevitável.

Os crimes ecológicos entram no Código Penal, num gesto de importante simbolismo político-legislativo que Figueiredo Dias, ele próprio, explicaria por rápidas e elucidativas palavras: clamor social e matéria cuja dignidade penal já não se contesta (l2). A sedimentação do desvalor dos comportamentos' antiecológicos é um dado adquirido em termos sócio-jurídicos, e à reforma não repugnou trazê-los para o seio do repositório das matérias criminais mais estabilizadas.

São-lhes cometidas sanções clássicas: prisão e multa, que atingem montantes de relevo significativo: prisão até 3 anos ou multa até 600 dias para o crime doloso de poluição (n.° 1 do artigo 273.°) e prisão até I ano ou multa para a poluição negligente com criação negligente de perigo (n.° 2 do artigo 273.°); I a 8 anos de prisão para a poluição com perigo comum negligente [alínea a) do artigo 274.°] e prisão até 5 anos para conduta dolosa com criação negligente de perigo [alínea b) do artigo 274.°].

A reforma não é insensível à responsabilização das pessoas colectivas, embora prefira remetê-la para legislação própria.

Dos novos crimes ecológicos é justo dizer que constituem o primeiro tentame jurídico de formalizar a já bem reconhecida dignidade penal da matéria. Isso acontece de forma bastante próxima daquela que o Projecto Alternativo alemão preconizou. E se é justa a observação de que o arrojo da reforma não foi ainda muito, uma vez que o referente «desobediência» condiciona parte substancial da incriminação, deverá a crítica possível ser temperada pela consideração de que os primeiros passos incriminatórios requerem por princípio um esbatimento ofensivo, em nome da aculturação do desvalor que pretendem frisar o qual demanda no entanto adequada pedagogia, e pedagogia que deverá ser também legislativa.

De todo o modo, encontra satisfação acrescida por esta via penal o desiderato do artigo 66° da Constituição ao construir o direito à protecção do ambiente nos termos enfáticos com que opera.

Parecer

A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades, e Garantias entende, assim, que o texto da proposta de lei n.° 92/VI reúne todas as condições constitucionais e legais-para subir a Plenário.

Palácio de São Bento, 28 de Junho de 1994. — A Deputada Relatora, Maria Margarida Silva Pereira. — O Deputado Presidente, Guilherme Silva.

A DivisAo de Redacção e Apoio Audiovisual.

(") Idem, op. cit.. p. 18.

O2) Cf. Código Penal, fíelas e Projecto da Comissão Revisora, cit.. p. 359.