14 DE JULHO DE 1994
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Presidente da República, ouvido o Conselho de Estado, artigos 176.° e 177.°, a partir do texto de 1951. Marcello Caetano qualifica a primeira, nas suas duas modalidades, como revisão ordinária e a segunda como extraordinária — cf. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, .4." ed., Coimbra, 1963, pp. 408 e 409.
Na doutrina portuguesa, a partir da época republicana, tornou-se assim comum a utilização de conceitos de revisão ordinária e de revisão extraordinária, servindo a primeira para identificar a assunção de poderes constituintes permitida pelo simples decurso de um certo período de tempo após uma anterior revisão, período que pode eventualmente ser encurtado, requerendo a segunda, a extraordinária, para se iniciar, um processo diverso do legislativo habitual, com a adopção de resoluções específicas por maioria qualificada e ou a intervenção de outros órgãos políticos, para além da assembleia representativa.
4 — A Constituição de 1976 também, tal como as anteriores de 1911 e 1933, não consagrou formalmente antes de 1992 a distinção entre revisão ordinária e extraordinária.
Apesar disso, a doutrina continuou a usar os conceitos de revisão ordinária e extraordinária. É assim que Gomes Canotilho e Vital Moreira, na 1* edição da Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1978, a propósito do então artigo 287.°, distinguem entre a revisão ordinária, do n.° 1 daquele artigo, e a revisão extraordinária ou antecipada, do n.°2 —ob. cit., p. 511. Os conceitos de revisão ordinária e extraordinária com o sentido que, entre outros, lhe deram Gomes Canotilho e Vital Moreira passaram também a constituir um instrumentário intelectual corrente entre os Deputados.
Quando se fez a 3." revisão da Constituição, em 1992, por causa sobretudo da necessidade de adequar as normas constitucionais de modo a poder ser ratificado o Tratado de Maastricht, procedeu-se àquilo que doutrinalmente se considerava uma revisão extraordinária, visto o processo de revisão ter sido aberto por uma resolução aprovada por quatro quintos dos Deputados. Daí Gomes Canoülho e Vital Moreira considerarem expressamente a 3.* revisão como extraordinária—Constituição..., 3.* ed. citada, p.. 1052.
5 — A proposta apresentada pelo Partido Socialista para alteração do artigo 284.° — que, ao ser aprovado, deu origem à versão actual do artigo 284.°, n.os 1 e 2 — pretendeu impedir que a revisão constitucional extraordinária interrompesse a contagem do quinquénio iniciado com a revisão que a doutrina e a prática consideram ordinária. Esse foi o propósito único da modificação introduzida em 1992, como resulta claramente da discussão havida.na Comissão Eventual, Diário da Assembleia da República, VI Legislatura, 2." série, acta n." 7, p. 122, como adiante melhor veremos.
6 — A adição do adjectivo ordinário à lei da revisão mencionado no n.° 1 do artigo 284." e do adjectivo extraor-oinário à revisão prevista no n.° 2 do artigo 284.° não teve por objectivo modificar conceitos que, pelo contrário, estariam pressupostos pelo legislador e faziam necessariamente parte da sua pré-compreensão, mas apenas evitar um resultado indesejado. Quis-se, por uma forma que se considerou elegante e mais técnica, referir que a revisão aprovada por quatro quintos, antes do decurso do prazo de cinco anos sobre a última revisão, não interrompe o prazo, nem funciona como terminas a quo de um novo período. A adjectivação aposta às revisões não pretende ser inovadora mas meramente declarativa de conceitos já pacificamente aceites.
7 — Entender que só com a revisão de 1992 passou a haver a distinção entre revisões ordinárias e extraordinárias é esquecer a existência das noções doutrinais pressupostas e que integram a pré-compreensão do legislador constituinte e atribuir à alteração do artigo 284.°, pelo menos no que concerne à 1.* revisão imediatamente posterior, um significado exactamente oposto àquele que foi o da proposta do Partido Socialista aprovada, aliás, por grande maioria. As actas da Comissão Eventual evidenciam com clareza a intenção da proposta e de quem aprovou na Comissão a nova redacção, confirmada pelo Plenário — v. acta n.°7, 10 de Outubro de 1992, Diário da Assembleia da República, VI Legislatura, 2.° série, p. 122.
Pela sua importância para a demonstração do espírito com que foi formulada e aceite a proposta, transcrevemos as intervenções produzidas pelos Deputados Almeida Santos e Rui Machete:
O Sr. Almeida Santos (PS): —Sr. Presidente, a actual redacção do n.° 1 do artigo 284.° diz: «A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação de qualquer lei de revisão.» Ora, quando este artigo fala em qualquer lei de revisão, também estará a referir-se a esta, o que significaria que só daqui a cinco anos, a contar,da sua publicação, é que se procederia à revisão quinquenal ordinária.
Entendemos que não foi isso que esteve no espírito de quem redigiu esta norma. Penitencio-me por esse facto, dado que também contribuí para esta redacção, e, até à data, nem eu nem nenhum de nós se apercebeu de que este problema poderia surgir.
Nesta conformidade, surge ou pode surgir aqui um problema de interpretação. É claro que é sempre possível interpretar este n.° 1 no sentido de que «qualquer lei de revisão» tem implícito o qualificativo de revisão ordinária, no entanto, ele não está cá. Esta interpretação é possível, mas a literal mais rigorosa é a de que, de facto, isto pode «postecipar» a revisão ordinária para daqui a cinco anos, o que não está no espírito de ninguém, nem parece que mereça o nosso acordo.
Por essa razão, entendemos propor uma nova redacção para o artigo 284.°, que pode ser esta ou outra qualquer, tendo como finalidade clarificar que a referência à «última lei de revisão ordinária», torna claro, para todo o sempre, que de cinco em cinco anos terá lugar uma revisão ordinária, sem prejuízo de n revisões extraordinárias, que não deferirão ou não farão recomeçar o início da contagem do prazo quinquenal.
Introduzimos, pois, aqui os conceitos de «revisão ordinária» e «revisão extraordinária», que são conceitos que já estavam no espírito de todos nós, consagrando uma interpretação, digamos, autêntica do entendimento que, até hoje, creio sinceramente ter sido unânime. Assim, deixaria de existir esta cruel hesitação, e ficava claro para toda a gente que uma coisa são as revisões ordinárias de cinco em cinco anos e ■ outra as possíveis n revisões extraordinárias de tempos a tempos.
O Sr. Presidente (Rui Machete): — Srs. Deputados, gostaria de dizer que nós, PSD, compartilhamos da convicção que foi expressa pelo Sr. Deputado Almeida Santos de que não seria necessário, . em absoluto, estar a introduzir uma norma desse tipo, mas como, efectivamente, surgiram na doutrina al-