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14 DE JULHO DE 1994

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comprovam os restos arqueológicos que foi possível recolher nos primeiros anos do nosso século, justamente em 1905, a primeira quiçá nos fins do século ix ou. inícios do século x, a segunda nos fins do século xi e inícios da centúria imediata, a terceira no século xiv, e a última nos anos derradeiros do século xvi e nos primeiros tempos do século imediato, o Mosteiro de São Salvador de Moreira foi um centro de fomento agrário e de acção colonizadora de toda a extensa área onde fazia sentir a sua decisiva influência espiritual, económica e social.

Da última construção iniciada em 1588 e dada por finda, ao menos na generalidade, em 1622, resultou a actual igreja de Moreira, que pelo seu significado, ao qual epigráficamente se fez a alusão, pela sua relativa grandeza desirmanada neste particular dos templos da região, pela riqueza do seu interior, em especial da talha joanina, senão mesmo do fim do reinado de D. Pedro II, do seu altar-mor e dos dois altares do seu arco cruzeiro, pela manifesta elegância da decoração de todo o conjunto arquitectura], e ainda por ter constituído o maior centro de peregrinação e de concorrência de fé da gente do Entre Douro e Ave, erguida em especial em. devoção do Santo Lenho de Moreira, bem merece o título que lhe ganharam os seus muitos séculos de história: catedral da Terra da Maia.

2 — Mas a história de São Salvador de Moreira, embora em rápido bosquejo como o impõe uma nótula deste tipo, regista algumas circunstâncias cuja importância e cujo significado não podem deixar de, brevemente que seja, ser sublinhadas.

Antes de mais a sentença do bispo do Porto, D. Diogo de Sousa, proferida no Sínodo reunido em 24 de Agosto de 1496, que considerava São Salvador de Moreira como o mais antigo mosteiro da sua diocese.

Depois, o facto de, em Moreira, ter existido ao longo de cerca de um século — justamente o século que precede o ano zero da portugalidade — o mais importante «Scriptorium» de «Portugale» cujo primeiro intérprete é o escriba Zoleima, quiçá o mais original e prolífico escriba da reforma caligráfica que se costuma impropriamente designar de «visigótica». Depois, o facto ainda de Moreira ter beneficiado de uma área de imunidade própria, de um «couto», que gozava da isenção do pagamento de tributos e outros direitos à coroa, e gozava ainda proibição do «introito» ou entrada dos funcionários régios. Privilégio quiçá concedido pelo primeiro rei e que abrangia o que é hoje a totalidade do território das freguesias de Moreira e de Vila Nova da Telha, esta que estava anexa à instituição moreirense que. nela tinha, além do mais, o direito da apresentação.

Depois, também, a circunstância de o cardeal rei D. Henrique, ao tempo arcebispo da Sé primacial de Braga, ter sido abade comendatario de Moreira, que recebeu o privilégio pela bula «Romani Pontificis», de 23 de Setembro de 1538, como, aliás, o foram também outros membros da Casa Ducal de Bragança, um dos quais, D. Fulgêncio, mostrou particular carinho por Moreira, e mandou erigir, ainda no século xvi, o belo cruzeiro que ainda hoje se conserva.

Finalmente, extinto pelo «Breve do Santíssimo Papa. Clemente XIV»,j datado de 1770, com outros mosteiros, e integrados os seus rendimentos no Real Convento de Mafra, São Salvador de Moreira foi então ainda a parcela mais valiosa, que pesou no breve extintório.

3 — Não se resume apenas ao seu milenar mosteiro a história de Moreira, pese embora a circunstância de o cenóbio moreirense ser a parcela maior de todo o passado lo-

cal, e de tal passado, bem multissecular, repousar, quase em exclusivo, na sombra tutelar da instituição monacal.

. Na verdade, esta terra de grande e profílica uberdade cultivou no passado, cómo de algum modo ainda hoje o faz, vários cereais. ' '.;«.'

o;E cultivou ainda, dada a fecundidade do seu solo bem irrigado por inúmeras linhas de água, o linho. E foi, por isso, como a tal alude a documentação do tempo, uma das áreas mais significativas no fornecimento do velame que equipou as caravelas de quinhentos. Por Moreira,'justamente pelo seu lado poente, passava a via que, remotamente, saída do velho burgo portucalense pela «porta do Olival», se dirigia para o norte litoral. As Inquirições de D. Afonso DI, em 1258, chamavam-lhe já nessa altura, «Via veteris», isto é, estrada antiga. E em tempos mais recentes, mas, por certo, ainda no período medieval, uma outra estrada entrava em Moreira pela ponte do Leça — a ponte de Moreira— recebia, adiante, bem nó centro da freguesia, junto da sede da antiga «Villa Moraria» o seu segundo «Padrão», o marco da sua segunda légua, e serpenteando para Norte, lá se internava pelas terras do interior minhoto.

Em Moreira, em 1832, veio acampar o rei soldado, D. Pedro IV, também ele o primeiro imperador do Brasil, que, tendo desembarcado nas costas então maiatas de Pampelido, nas bordaduras marítimas das freguesias de Lavra e de Perafita, marchou depois sobre Pedras Rubras, um dos lugares da freguesia de Moreira, ali pernoitou na casa de um lavrador local, e o seu exército — p exército liberal — acampou no largo que ainda hoje, em homenagem ao acontecimento, se designa «Campo do Exército Libertador».

Moreira, esta significativa parcela da Maia, era, assim, a terra de Portugal continental europeu onde, por vez primeira, estanciavam as tropas do exército liberal, que, marchando logo sobre o Porto, dariam de seguida início à guerra civil que dilacerou o País de 1832 a 1834 e que fez erguer o regime constitucional que perduraria até à implantação da República.

4.— O primeiro grande vulto de Moreira é sem dúvida Trutesindo Guterres que, em 1087, com sua mulher, Gontrode, dotou generosamente o Mosteiro com uma soma incalculável de propriedades, todas elas dispersas pela zona chã litoral que do Douro se estendia ao Ave. Um seu filho, quase por certo, casaria com a única filha do «Lidadon>, de Gonçalo Mendes, o mais próximo companheiro do nosso primeiro rei e, ele próprio, o «chefe operacional» do «golpe de estado» que, em 24 de Junho de 1128, alçou o moço infante, D. Afonso, à chefia do Condado.

Depois, ao diante, outros muitos homens ilustres se poderiam citar que nasceram ou viveram em Moreira. Entre vários referir-se-á o conselheiro Luís de Magalhães, filho do grande tribuno que foi José Estêvão. Diplomata brilhante, poeta e escritor de altos méritos, labrador conceituado, cidadão insigne.

Proprietário da «Quinta do Mosteiro», que era por então uma das mais belas, das maiores e das mais bem cuidadas propriedades de todo o concelho e mesmo da região, Luís de Magalhães fez da sua casa em cenáculo intelectual, por onde passaram os maiores vultos das letras portuguesas da última década e meia do século passado e da primeira década do nosso século.

Mas a história de uma terra não se faz propriamente dos grandes vultos, pese embora a sua importância e a sua significação.