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22 DE FEVEREIRO DE 1997

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E com que evolução desde as reformas legais de 1984? Retratar o País como se fosse idêntico ao que erá quando se aboliu o regime vindo do Código de 1852 (para, porventura, obter munições retóricas e despertar emoção) é um procedimento que, por um lado, desvaloriza demasiado o passo histórico dado na década de 80 e alargado em 1994--1995 e, por outro, não ajuda a perceber o que há de específico na situação actual. Tal retrato não foi, felizmente, trazido à Assembleia da República por qualquer dos partidos que nela têm assento

Mais concretamente: qual foi (e é) o impacte das regras inovadoras adaptadas a partir de 1985 em matéria de planeamento familiar?

Quais as implicações dos avanços entretanto ocorridos no campo das ciências médicas (v. g. expansão do diagnóstico pré-natal, novos produtos químicos como o RU 486 e o methotrexato)?

Que factores impedem realmente o eficaz funcionamento dos serviços de saúde públicos e privados? Que parte dessa ineficácia se deve à lei vigente e que parte se deve atribuir a elementos orgânicos, sociais e culturais susceptíveis de induzirem formas de bloqueamento de qualquer outro re-l§gime legal, qualquer que seja a respectiva letra? E, num plano diferente mas não menos essencial, qual deve ser, neste domínio, o papel da lei (a quem muito, mas certamente não tudo, pode ser pedido)? Como fazer uma lei que respeite, simultaneamente, as consciências diversas, todas as religiões ou nenhuma religião, todas as convicções, todos os possíveis direitos de interrupção da gravidez e todos os possíveis direitos de objecção? Onde agir «cirurgicamente» para lograr os objectivos desejados? Feitas em 1997, estas interrogações não encontram o legislador português posto perante uma página em branco (cf. n.° 1 deste relatório), mas é um facto que as páginas preenchidas não fornecem todas as respostas. Donde a importância de seriar exactamente as questões a decidir e as soluções a ponderar.

Qual a repercussão das muitas alterações de hábitos e atitudes culturais ocorridas ao longo de mais de uma década?

Como evoluiu neste ponto um país que, em pouco tempo, quebrou tabus de séculos e se habituou a ver discutidas à hora do jantar, no ecrã, quando não à volta da mesa, as mais melindrosas questões íntimas — essas mesmas cuja abordagem na simultânea presença de pais e filhos foi impensável para os portugueses de todas as anteriores gerações?

Quais as consequências da nova liberdade de circulação, que relativiza, mais facilmente do que no passado, as fronteiras da Europa (embora, manifestamente, as coloque mais próximas ou mais distantes em função de critérios económicos)?

Qual o impacte concreto da proliferação da sida, que veio colocar a mulher perante um novo tipo de dilema ético? Abortar para evitar um filho possivelmente condenado ou querer sobreviver através de um filho (fazendo-o, todavia, correr risco mortal de contaminação)?

Os trabalhos preparatórios não fornecem, evidentemente, respostas para todas estas perguntas, mas fazê-las gerou já esforços de pesquisa e começos de resposta que se espera possam contribuir utilmente para o debate.

2 — Um olhar sobre o sistema de saúde

2. í —A primeira interrogação deve, logicamente, incidir «tare o sistema de planeamento familiar e educação sexual para ponderar a sua eficácia.

A expansão dos serviços de planeamento familiar e a promoção pública do uso de contraceptivos têm, sem dúvida, permitido o aumento das situaçõesde gravidez desejada e planeada e a realização do aborto em menos casos do que os típicos de épocas históricas passadas. De facto, para muitas gerações de mulheres e por todo o mundo o aborto funcionou — e, infelizmente, funciona ainda — como método anticoncepcional (por vezes único).

Ao fim de mais de uma década de aplicação do quadro legal de 1984, a situação portuguesa pode ser sintetizada nos traços seguintes — ci. Avaliação das Actividades de Planeamento Familiar — Resultados da Colheita de Dados por Visitação Domiciliária, Direcção-Geral da Saúde, 1993. Nada indica alteração das tendências reveladas por este estudo, dirigido à população feminina com idade compreendida entre os 15 e os 49 anos, por visita domiciliária a uma amostra aleatória de 3194 mulheres em idade fértil em oito distritos (Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Santarém e Viseu), mas afigura-se indispensável, porém, a sua actualização e a especial atenção às particularidades da situação das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto:

Crescimento do uso de métodos contraceptivos, acompanhada de expansão de métodos mais seguros — (Avaliação p.21): «Aumentou significativamente o número de mulheres sexualmente activas que responderam 'fazer qualquer coisa para evitar ter filhos' e cresceu também a utilização dos métodos mais eficazes em todos os grupos etários»;

A pílula é o método mais usado pelo conjunto das mulheres, atingindo valores superiores nos grupos etários mais jovens — o estudo referido revela ser. a pílula o método mais usado até aos 39 anos; a partir desta idade, o coito interrompido ocupa o primeiro lugar (p. 19). Já se referiram as graves consequências deste perfil de uso, numa óptica de defesa da mulher contra a sida;

O coito interrompido, que tecnicamente não pode considerar-se, sequer, meio de contracepção, embora em diminuição (cf. comparação entre 1993 e o período de 1986-1988: na faixa etária dos 35-44 anos era de 40 % nos anos 80, passando a cerca de 20 % no início da década de 90), continua a ser a segunda prática mais frequente, aumentando a sua frequência com a idade e podendo atingir valores superiores a 50 % das utilizadoras nas idades superiores aos 45 anos;

O DIU é mais usado no grupo etário dos 40-44 anos;

Os centros de saúde são usados por parte significativa das mulheres para controlo do método escolhido (sendo menor o número das que recorrem a médico privado ou a controlo por iniciativa própria);

O controlo por iniciativa própria é mais frequente à medida que aumenta a idade das mulheres;

A redução dos partos por grupos etários de maior risco e do número de partos por mulher apontam para o papel importante que o planeamento familiar tem desempenhado, mas o défice de contracepção continua a pesar nos indicadores de saúde materna — Maria da Purificação Araújo, Mortes Maternas em Portugal — J979/93, Direcção-Geral da Saúde, 1993, p.8;

O uso do preservativo é muito limitado, incluindo entre as faixas etárias mais jovens. Embora os preços se situem dentro da média europeia e os preservati-