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II SÉRIE-A — NÚMERO 23

A evolução é, em síntese, a seguinte, para o período de

1993-1995:

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

C — A análise destes indicadores comporta diversas reservas:

A classificação de cada acto para efeitos de inclusão numa das categorias está sempre sujeita a flutuações de critérios;

Há problemas insuperáveis de subnotificação, decorrente da reserva das interessadas e do entendimento corrente do sigilo profissional;

Não foram feitos ensaios com séries mais vastas e não foi feito cruzamento com outras fontes.

O grosso dos casos distribui-se, significativamente (mas não surpreendentemente), entre abortos «espontâneos» e «não especificados». Este fenómeno é ainda mais difícil de captar do que o relativo aos casos de morte materna. Mesmo nestes há subnotificação, tanto por incorrecta classificação das causas da morte como devido a incompleta informação prestada pelo médico que assina a certidão de óbito. «Alguns certificados de óbito de mulheres em idade reprodutiva que morreram em serviços de cuidados intensivos não mencionam a sua condição prévia de gravidez, parto ou aborto. Por vezes são razões de ordem social ou religiosa que levam a não mencionar um aborto como causa de morte.» (Maria da Purificação Araújo, Mortes Maternas em Portugal —1979/93, edição da Direcção-Geral da Saúde, 1995, p. 24). É escasso o número de actos classificados como «abortos ilegais», «abortos legais» ou «tentativas de aborto».

A distribuição registada inculca que os hospitais públicos continuam a funcionar como «local de acesso final» de actos praticados no seu exterior. O bastonário da Ordem dos Médicos assinalou, no decurso de audição parlamentar, que em situações de urgência e emergência médica é o SNS que está mais adequadamente apetrechado para as respostas adequadas.

É de notar ainda que:

Há um aumento do número de casos entre 1994 e 1995;

As distribuições regionais parecem indicar uma igualdade tendencial entre a situação no Sul e no Norte do País, faltando, porém, dados para reconstituir uma série estatística que permitisse avaliar a evolução desde a década de 80;

Para obter uma imagem mais rigorosa seria necessário que, quanto a cada uma das zonas, se dispusesse de dados sobre a natureza e o número de casos tratados no âmbito de clínicas privadas. De facto, só a sobreposição dos dois mapas permite perceber por que é que em certos casos (cf. Aveiro) é tão escasso o número de episódios de internamento nos hospitais do SNS;

As audições realizadas em sede de comissão parlamentar confirmaram a surpreendente realidade da «inexistência» de estabelecimentos de saúde privados licenciados para os efeitos dá Lei n.° 6/84.

Em contraste com o que ocorre na vizinha Espanha e em muitos outros países da União Europeia, em Portugal nenhum estabelecimento de saúde privado requereu habilitação para praticar actos de interrupção voluntária de gravidez. A possibilidade de aborto legal no sector privado admitida pela Lei n.°6/84 nunca se efectivou ao longo de mais de uma década. O facto foi assinalado no «Relatório sobre a situação da interrupção voluntária da gravidez», divulgado pela Associação para o Planeamento da Família, 1993, p. 26. Mas sem extrair consequências (v. g. quanto à qualidade e à evasão fiscal). O relatório propõe que se institua a obrigação de comunicar a realização de actos de IVG e a comparticipação pelo Estado dos abortos praticados, numa fórmula de medicina convencionada. Sucede, porém, que a obrigação de transparência já decorre da Lei n.° 6/84, que é manifestamente violada. Quanto à ideia de um trade off com o sector (cessação da violação da lei a troco de uma comparticipação do Estado), coloca melindrosos problemas, cuja apreciação não pode fazer-se em registo «técnico», uma vez que coloca o legislador perante sérias questões éticas e de autoridade do Estado.

É um ponto que merece consideração atenta.

D — Quanto aos serviços de saúde públicos, as audições realizadas corroboram a existência de numerosas disfunções:

Embora a lei tenha determinado inequivocamente que os serviços de saúde devem organizar-se «de forma adequada» para cumprir a lei, há grande disparidade de organização e significativa distinção de atitudes no tocante à interpretação do quadro legal — não foi sequer possível obter um mapa oficial e credível das unidades do sistema, descritas em função da frequência com que praticaram (ou não) actos de IVG. Trata-se, todavia, de dados objectivos e não pessoais, cuja revelação pública facultará uma «imagem de situação», sem a qual nenhuma coordenação é possível;

Há quem entenda que o legislador não fez ainda a definição do que seja um «estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido», nem se encontra clarificado para cada hospital o procedimento a seguir face a todos os casos de «abortamentos consentidos» que ali surjam — Comissão de Ética do Hospital de São João, parecer sobre IVG, Arquivos de Medicina, n.° 10 (supl. 3), 15-17, ISSN 0871--3413, 1996 (relator: Augusto Lopes Cardoso), p. 17. O caso em si mesmo, rigorosamente relatado, é um notável exemplo do incrível labirinto burocrático gerador de papel e, sobretudo, de longas horas de penoso sofrimento humano;

A malha de estruturas existente, pelo mero jogo «natural» da burocracia, responde mal a situações complexas de conflito entre o direito de objecção e o aborto legal, devolvendo de patamar em patamar o dirimir do conflito e gerando uma parecença em espiral — escreve Lopes Cardoso que «o sentido de responsabilidade médica, bem como dos princípios éticos que norteiam o seu exercício, não podem permitir que as assimetrias de natureza confessional, política, económica, social ou simplesmente razões burocráticas comprometam a liberdade individual ou