O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

22 DE FEVEREIRO DE 1997

358-(13)

corrente. É mesmo regra comum a alusão ao quadro legal formado em 1984 como se o mesmo vigorasse hoje ainda «intacto». Não é assim, contudo.

2.2— A «perplexidade renovada de Cassandra» ou «o estranho caso da revisão invisível», Teresa Beleza:

A — Um processo legislativo singular. — Situar-se-ia fora do escopo do presente relatório apreciar o fenómeno descri-•to numa óptica de sociologia política, mas importa reconstituir sumariamente a cadeia de factos que conduziram ao referido efeito de invisibilização social e política para procurar caracterizar depois com rigor as mudanças operadas.

O primeiro facto relevante a assinalar decorre da já mencionada opção política deliberada por uma inclusão da temática do aborto no contexto de dezenas de alterações da lei penal (diluição pela vastidão do enquadramento), sob o lema da «inalteração no essencial» (diminuição da relevância).

Escrevendo sobre as opções mais significativas assumidas pela comissão revisora, Figueiredo Dias sintetizou assim essa postura:

Entendeu a comissão deixar inalterado, no essencial, o estado do direito vigente em matéria de interrupção voluntária da gravidez. A razão terá estado em que sobre essa questão havia recaído ainda não há muito tempo uma decisão político-legislad va do Parlamento; e, depois, valha a verdade dizer, o sistema existente de estritas indicações médica, ética e eugéni-ca não parece ter funcionado mal, nem dado origem a grande criticismo na opinião pública como leiga. [Jorge Figueiredo Dias, «O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 3, n." 2.° a 4.°, Abril a Dezembro de 1993, p. 193.]

A asserção é desacompanhada de qualquer suporte estatístico ou sociológico quanto ao funcionamento do sistema, mas contribuiu certamente para. a formação da «representação social» que deste foi divulgada.

O segundo factor explicativo resulta, porventura, em alguma medida, de o Parlamento não ter sido chamado a redigir uma lei material, mas, sim, uma autorização legislativa, ainda que especificada nos termos constitucionais.

Contudo, o mais importante efeito de limitação do debate adveio das atitudes conjugadas do Governo e dos Deputados no tratamento da matéria (diluição por fixação de debate no secundário). De facto, na ínfima parte em que incidiu sobre a interrupção voluntária da gravidez, a apreciação parlamentar e pública foi dominada pela questão do não acolhimento pelo Governo e pela maioria da proposta da comissão de revisão do Código Penal no sentido de alargar de 16 para 22 semanas o prazo legal para o aborto eu-génico.

No debate em Plenário, o Ministro da Justiça foi interrogado fundamentalmente sobre esse ponto, nos seguintes termos:

Sobre a interrupção voluntária da gravidez, sabe-se que, apesar da Lei n.° 6/84 — a do actual Código Penal —, o número legal de abortos ocupa uma parte não significativa dos abortos provocados em Portugal. Por várias razões, entre elas, porque as mulheres continuam a confrontar-se com falta de informação, falta de organização dos serviços, falta de comparticipação convencionada, incapacidade de resposta dos serviços quando surgem situações de objecção de consciência, falta de cobertura legal para situações de necessidade de IVG contempladas na maior parte dos países da Comunidade Europeia. Perante as alterações propos-

tas, faço a seguinte pergunta, Sr. Ministro: onde andou o Governo nestes últimos 10 anos? Não se apercebeu da realidade social? Não ligou aos estudos efectuados, nomeadamente os coordenados pela Associação de Planeamento Familiar? A proposta de alteração do Código Penal nesta matéria surge como se não tivesse havido 10 anos de experiência, de estudos, de propostas, bem como de sofrimento e de riscos escusados para muitas mulheres.

Assim sendo, pergunto-lhe ainda: se a maioria das malformações do feto só se pode detectar, segundo estudos efectuados, em exames posteriores às 16 semanas, por que permanecem estas como limite para o IVG? Se as causas económico-psicossociais são responsáveis por um grande número de IVG, por que não são tidas em conta? Por que não se alarga para 22 semanas o prazo de IVG por violação, atendendo à morosidade característica desta situação? Já agora, está o Sr. Ministro atento ao que se passou recentemente na Espanha dos Reis Católicos, em que a IVG nas primeiras 12 semanas passará a depender da decisão soberana da grávida? Porquê, contrariando o sentido das suas palavras introdutórias, Sr. Ministro, se continua a impor a condenação ao ilícito a quem apenas precisa de medidas e de legislação à altura dos tempos que vivemos, à altura da própria Comunidade Europeia? [Deputado Mário Tomé, Diário da Assembleia da República, 1° série, n.°85, de 30 de Junho de 1994, p. 2749.]

Em resposta, o Ministro da Justiça fundamentou a omissão proposta e alargou mesmo o âmbito do diálogo:

V. Ex." sabe — e eu próprio tive ocasião de dizê-lo em várias intervenções — que estamos num domínio que é extraordinariamente melindroso em todos os sentidos, nomeadamente naqueles que acabou de referir, e que releva, sobretudo, da intimidade da vida privada. Entendo que não há suficiente conhecimento científico para poder pronunciar-se acerca do prazo de 22 semanas. Aliás, ainda há relativamente pouco tempo a Sr.° Deputada Odete Santos falava em 24 semanas.

A Sr." Odete Santos (PCP): — Não é verdade!

O Orador: —V. Ex.° falava em 24 semanas!

A Sr." Odete Santos (PCP): — Sr. Ministro, ouvimos médicos, em sede de Comissão, que disseram que, até às 16 semanas, é como não estar nada!

O Orador: — Mas é ou não verdade que, ainda há relativamente pouco tempo, V. Ex.° disse que deveriam ser 24 semanas?

Sr.° Deputada, não estou a dizer que não haja conhecimentos nesse sentido, estou é a dizer que podemos ir progressivamente, de conhecimento em conhecimento, entrando num domínio que, a meu ver, já não fica entregue exclusivamente à decisão política. [Diário da Assembleia da República, 1." série, n.°85, p. 2750.]

Na mesma intervenção ainda, o Ministro da Justiça lançou luz sobrè a metodologia que julgava adequada para dirimir o problema em referência, aventando a possibilidade de um referendo nacional sobre a matéria:

Creio que a matéria da interrupção voluntária da gravidez, tal como a matéria da eutanásia, a ser feita qualquer intervenção legislativa sobre ela, deverá pas-