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0357 | II Série A - Número 018 | 09 de Dezembro de 2000

 

se estabelece também que a "extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo" (artigo 33.º, n.º 4).
Prevê o Estatuto que o Tribunal possa pedir a detenção e entrega de uma pessoa, independentemente de tais requisitos, devendo os Estados partes dar satisfação a tais pedidos (artigo 89.º e seguintes). Também aqui se anuncia, pois, oposição.
É evidente que não há equivalência plena entre extradição e entrega de pessoa ao Tribunal (surrender), mas poderá dizer-se que a diferença é "mínima" - Cf. Bos, A. cit. 39 While it is true that the working adopted in the statute is "surrender" in practice the difference is often minimal. E seria simplista fazer decorrer do facto de num caso estar em causa um outro Estado, ou um tribunal de um outro Estado, e noutro um tribunal internacional, uma diferença de regime constitucionalmente aplicável. Se são as garantias individuais que constituem a ratio da preocupação constitucional, essa preocupação é igualmente válida para os dois casos. Por outro lado, o sentido da solução constante do artigo 33.º, n.º 5, articulado com o do artigo 30.º, n.º 1, só pode ser de que a Constituição não quer que se aplique a prisão perpétua, proibindo o Estado não só de a aplicar como também de colaborar com outros que a aplicam para o efeito de a poderem aplicar. Se assim é, a solução constitucional para o caso de extradição é tão aplicável a um pedido de um tribunal internacional como a um tribunal de outro Estado - salvo específica mensagem constitucional noutro sentido, que ainda não foi formulada.
10 - Em matéria de extradição de nacionais, vigorou no direito constitucional português, até à revisão de 1997, um proibição absoluta. Desde então, tal extradição é admitida, nos termos agora regulados no artigo 33.º, n.º 4, da Constituição, mas apenas nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada. De facto, foram estes os únicos tipos de crime que pareceram então suscitar especiais exigências de cooperação e internacionalização judiciária, capazes de justificar a flexibilização da proibição tradicionalmente consagrada.
Deste modo, a generalidade dos crimes contra a humanidade e crimes de guerra e bem assim outros crimes internacionais estão de fora do alcance do novo preceito constitucional - vigorando, pois, para eles o princípio da proibição da extradição de nacionais que, nos termos acima expostos, e segundo os actuais dados constitucionais, tem de envolver também proibição de entrega (surrender) de nacionais a tribunais internacionais.
Pela relativa desactualização das opções jurídico-penais, pelas necessidades decorrentes da construção de espaços europeu e internacional de justiça criminal, sem os quais os crimes mais graves permanecerão sem punição - este é porventura um dos pontos do texto constitucional carecidos de urgente reavaliação. E a criação do Tribunal poderá constituir um estímulo e uma ocasião para o aperfeiçoamento da actual disciplina.
Isso não impede, no entanto, que se tenha de concluir, hoje, que as normas do Estatuto que prevêem a entrega de nacionais pelo Estado português ao Tribunal - fora dos estritos e praticamente inaplicáveis termos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição - violam a regra constitucional da proibição de extradição de nacionais (artigo 33.º, n.º 1).
11 - Na linha da tendência desenvolvida pelos instrumentos mais recentes do direito penal internacional (v.g. Convenção sobre a Tortura, Estatuto dos Tribunais Internacionais para a ex-Jugoslávia e o Ruanda) o Estatuto consagra a doutrina da irrelevância da qualidade oficial (artigo 27.º).
"1 - O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro do Governo ou do Parlamento, de representantes eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução de pena.
2 - As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa".
Pode dizer-se que a agenda do direito internacional, nesta matéria, é hoje dominada pelo assalto à doutrina das imunidades em nome do princípio, aqui vitorioso, da irrelevância da qualidade oficial - as actas do recente julgamento do pedido de extradição de Pinochet, acessíveis na Internet, documentam de forma exaustiva a actual situação do direito internacional na matéria (ver em particular os votos dos Lordes Hutton e Saville of Newdigate). O que se ambiciona é que aquelas não possam servir para obter a impunidade dos que, ocupando cargos de Estado, são autores de crimes que afectam a comunidade internacional por lesarem bens jurídicos que são considerados essenciais para o seu desenvolvimento. Em relação ao crime de tortura, por exemplo, tal objectivo está já em medida significativa alcançado, ainda que por outra via, com a adopção convencional simultânea da doutrina da irrelevância da qualidade oficial e do princípio da competência universal (solução diferente, pois, da que subjaz ao Estatuto do Tribunal), como o mundo se pôde aperceber a propósito do caso Pinochet, impensável há poucos anos atrás.
Está em causa saber se o nosso direito constitucional está em linha com as consequências da adopção, no Estatuto, da doutrina da irrelevância da qualidade oficial, ou se há desconformidade relevante.
A Constituição consagra, a este respeito, regimes especiais aplicáveis à efectivação da responsabilidade criminal do Presidente da República, membros do Governo e Deputados.
11.1 - Quanto ao Presidente da República (PR), a Constituição distingue entre crimes praticados no exercício de funções, para cujo julgamento atribui competência exclusiva ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), e crimes estranhos ao exercício das funções, relativamente aos quais o Presidente da República responde, depois de findo o mandato, perante os tribunais comuns (no caso de reeleição, após o termo do segundo mandato).
No primeiro caso, exige ainda que a iniciativa do processo caiba à Assembleia da República, mediante proposta