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0360 | II Série A - Número 018 | 09 de Dezembro de 2000

 

favorável à institucionalização do Tribunal (cifra Kirsch, P., Reflections, cit., p. 9).
Nestas condições, considera-se que a via adequada para solucionar a incompatibilidade que ficou apontada entre normas do Estatuto e normas da Constituição é o desencadeamento de um procedimento de revisão - em moldes idênticos ao daquele que propiciou em 1992 a ratificação do Tratado de Maastricht (foi a opinião sustentada por J. Miranda, ainda em 199, na Conferência do STJ intitulada "Uma nova fase no direito internacional dos direitos do homem", p. 16 - de que resulte autorização expressa para que Portugal possa aceitar a jurisdição do Tribunal, nos termos do Estatuto de Roma.
14 - Poderá perguntar-se se uma revisão com esse efeito ou alcance não envolverá violação dos limites materiais enumerados no art.º 288.º da Constituição - onde se incluem os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a independência nacional - ou, em termos mais gerais, descaracterização da identidade substancial da nossa lei fundamental, que às próprias leis de revisão cumpre acautelar.
Entende-se que o limite material que os direitos, liberdades e garantias representam não se identifica com a expressão concreta que todos e cada um deles têm na vigente disciplina constitucional mas deve ser antes visto como garantia de um sistema de princípios, independentemente da sua expressão concreta, sempre susceptível de novas modulações e concordâncias. Como escreve Jorge Miranda, "tudo está em preservar o sistema e não cada um dos numerosíssimos preceitos em especial" - Miransa, J., cit., p. 15.
Assim sendo, quer a admissibilidade da cominação de prisão perpétua para os mais graves crimes hoje concebíveis, em condições que asseguram a sua revisão após 25 anos de cumprimento de pena, quer a extradição ou entrega de pessoas, nomeadamente de nacionais, sem que esteja no caso assegurada a inaplicabilidade de tal pena parecem ainda harmonizáveis com o perfil de exigência que tem sido a marca da Constituição em matéria de direitos, liberdades e garantias.
A circunstância do novo equilíbrio surgir no âmbito de um esforço de concordância entre a ordem constitucional interna e um direito internacional instituinte duma mais eficaz tutela dos direitos do homem (que a CRP valoriza no artigo 7.º) constitui argumento relevante no sentido da solidariedade (Zagrebelsky) entre os princípios da Constituição e as novas soluções a introduzir pelo poder de revisão.
A "independência nacional" enquanto limite material de revisão também não parece inconciliável com uma solução que habilite à ratificação do Estatuto de Roma.
Já perante o Tratado de Maastricht prevaleceu um entendimento evolutivo do conceito, capaz de acolher a sua adaptação ao fenómeno novo da integração regional supranacional - entendimento que esteve na origem do actual n.º 6 do artigo 7.º da Constituição.
Perante as necessidades da construção duma justiça penal internacional, e duma efectiva garantia dos direitos do homem no caso das mais graves violações, é justificado que a ordem constitucional nacional, perante um tribunal internacional penal com características de "complementaridade", consinta na transferência da parcela das competências jurisdicionais exigida pela instituição daquela justiça. E é ainda justificado que sejam flexibilizadas algumas regras que hoje recortam regimes especiais de efectivação de responsabilidades criminais por parte de titulares de órgão de soberania, em termos que não são inteiramente consonantes com o que são as tendências emergentes no direito internacional.
O tipo de adaptação constitucional que foi gerada em 1992 diante do Tratado de Maastricht, no âmbito do processo de construção da União Europeia, só pode ter uma justificação acrescida e uma compatibilidade também acrescida com os limites materiais de revisão no âmbito do processo instituidor dessa instância permanente de justiça internacional penal que visa assegurar uma tutela mais efectiva dos direitos do homem.
É nestes termos que se tem por fundamentado o seguinte parecer:

Parecer

1 - As normas do Estatuto de Roma que atribuem ao Tribunal Penal Internacional competência para julgar crimes cometidos em território nacional (artigo 5.º e artigo 12.º), diminuindo correlativamente a competência soberana constitucionalmente atribuída aos tribunais portugueses, são incompatíveis com o artigo 1.º (princípios da soberania) e artigos 202.º, n.º 1, e 209.º da Constituição (função jurisdicional e categorias de tribunais).
2 - A norma do Estatuto que prevê que o Tribunal aplique a pena de prisão perpétua [artigo 77.º, n.º 1, alínea b)] não é compatível com o artigo 30.º, 1.º, da Constituição.
3 - As normas do Estatuto que prevêem a entrega de pessoas ao Tribunal, nomeadamente de nacionais (artigo 89.º e seguintes) independentemente da verificação dos requisitos constitucionalmente exigidos, não é compatível com o disposto no artigo 33.º, n.os 1, 3 e 5 da Constituição.
4 - A norma do Estatuto que consagra de forma irrestrita a "irrelevância da qualidade oficial" (artigo 27.º) é incompatível com as normas que hoje definem os regimes especiais de efectivação de responsabilidades criminais previstos na Constituição em relação ao Presidente da República, Deputados e membros do Governo, nomeadamente nos artigos 130.º, 157.º e 196.º da CRP.
5 - Uma Constituição amiga do direito internacional e dos direitos do homem, como é a nossa, mantém-se fiel à sua identidade substancial se, por via de revisão, se abrir à possibilidade de reconhecer a jurisdição do Tribunal Penal Internacional e ratificar o Tratado de Roma, não implicando tal revisão violação dos limites de revisão material.
6 - A via que se preconiza para a ultrapassagem da incompatibilidade entre o Estatuto de Roma e algumas soluções constitucionais vigentes é a abertura de um processo de revisão extraordinária, nos termos do artigo 284.º, n.º 2, da CRP de que possa resultar uma indispensável cláusula habilitante ou alteração da disciplina constitucional de efeito equivalente.

Palácio de São Bento, 6 de Dezembro de 200. - O Deputado Relator, Alberto Costa - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados, com os votos a favor do PS, PSD e CDS-PP e a abstenção do PCP.

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