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0356 | II Série A - Número 018 | 09 de Dezembro de 2000

 

constitui resultará necessariamente diminuída, por transferência para o Tribunal de uma sua parcela.
Não é admissível que a lei ou o Tratado, sem prévia credencial constitucional, reduzam a esfera de "competência soberana", constitucionalmente conformada, de órgãos expressamente representados como "órgãos de soberania". Não o é, em especial, para o efeito de proceder à "expatriação" da titularidade ou do exercício duma parte dessa competência, fazendo-a deslocar para o exterior da ordem constitucional nacional.
Tal implicaria, no domínio específico da jurisdição, uma "exportação" inconstitucional de parte de uma competência soberana: enquanto se comprimiria, por via infraconstitucional, a esfera jurisdicional conferida aos tribunais portugueses (órgãos de soberania) por essa mesma via ampliar-se-ia a margem de dependência de órgãos de soberania nacionais (tribunais) de formas de controlo, fiscalização e correcção ou tutela de órgãos externos, constitucionalmente não previstos.
É verdade que no mundo contemporâneo se apresentam, neste domínio, sinais de mudança e se tornou trivial dizer que a soberania já não é o que era: na época da integração regional, da internacionalização e da globalização, à maior parte dos Estados actuais já não se poderia aplicar o requisito clássico superiorem non recognoscem - analisando, por último, os efeitos da globalização sobre o Estado soberano Giddens escreve Under the impact of globalisation, sovereignty has became fuzzy, in Runaway world, New York, 2000, p. 97.
Sem desconhecer as transformações em curso, deve, no entanto, reter-se que o modelo do Estado soberano, tal como construído pelo constitucionalismo nacional, "permanece o paradigma básico da agenda das relações internacionais - Canotilho, op., cit., p. 1219. E quando numa Constituição nacional, como é o caso da nossa, submete o direito internacional convencional a controlo de constitucionalidade, isso revela bem uma estadualidade constitucional que permanece "senhora dos tratados", com o significado particular que isso comporta no caso dos tratados que instituem organizações ou soluções supranacionais.
7 - É verdade ainda que, segundo a Constituição, Portugal se rege nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional e do respeito dos direitos do homem (artigo 7.º). Mas parece forçado retirar deste princípio uma autorização constitucional suficiente para legitimar o efeito em vista, ou seja, a deslocação de competências para o Tribunal.
Em 1992, também a clara decisão europeia, a favor do reforço da identidade europeia e da acção dos Estados europeus em prol da paz, do progresso económico e da justiça entre os povos (acolhida no artigo 7.º, n.º 5, na revisão constitucional de 1989), não pareceu bastante para permitir a ratificação do Tratado de Maastricht, por se entender que não autorizava as transferências ou alterações na forma de exercício da soberania que esse tratado acarretava. Considerou-se então necessário introduzir uma habilitação constitucional expressa para se poder "convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia" (artigo 7, n.º 6, aditado pela LC n.º 1/92).
E assim se evoluiu da mais vaga "cláusula europeia" preexistente para uma mais densa "cláusula de integração europeia", em que a Constituição passa a enfrentar directamente a questão da deslocação de competências soberanas específicas do Estado constitucional para a comunidade europeia - e a autorizou.
O juízo que então prevaleceu sobre a insuficiência da cláusula europeia ao tempo acolhida na Constituição é, neste caso, inteiramente aplicável com referência ao princípio do respeito pelos direitos do homem: será preciso que a Constituição queira e diga mais para tornar legítima a alteração que se visa no exercício da jurisdição criminal. Uma cláusula "amiga dos direitos do homem" não contem implícita uma cláusula de autorização da expatriação, no todo ou em parte, da respectiva tutela jurisdicional penal (isto é particularmente claro num ambiente , que é o "ambiente internacional" da nossa Constituição, em que a repressão dos crimes internacionais cabe ainda aos Estados - cifra Pereira, A, G., Quadros, F., op., cit., p. 385): uma abertura com esse alcance só poderá, também aqui, resultar de uma expressa decisão constitucional sobre a deslocação de competências para o sistema internacional penal.
Nos presentes termos constitucionais, a ratificação do Estatuto de Roma, consagrando a criação de um Tribunal com as características, competências e poderes nele previstos, e a correlativa compressão da competência jurisdicional penal hoje atribuída pela CRP aos órgãos de soberania - tribunais portugueses - colidiria com o artigo 1.º e com os artigos 202.º, 209.º e seguintes da Constituição.
8 - O Estatuto inclui a prisão perpétua entre as penas aplicáveis pelo Tribunal.
A Constituição não só proíbe a prisão perpétua como quaisquer penas ou medidas análogas com duração ilimitada ou indefinida: "Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida" (artigo 30.º, n.º 1). E no discurso constitucional nacional tem-se entendido que o princípio de natureza temporária, limitada e definida das penas é decorrência do direito á liberdade (artigo 27.º), da proibição de penas cruéis, degradantes ou desumanas (artigo 25.º, n.º 2), - e mesmo da ideia de protecção da segurança, ínsita no princípio de Estado de Direito (artigo 2.º) - Canotilho, J. e Moreira, V., CRP Anotada, 3.ª edição, p. 167. Há, pois, conflito indisfarçável entre a solução do Estatuto e a solução constitucional. E tal conflito não desaparece por no Estatuto se prever uma reapreciação da pena perpétua ao fim de 25 anos de cumprimento de tal pena - artigo 110.º, n.º 3 - "Quando a pessoa já tiver cumprido dois terços da pena, ou 25 anos de prisão em caso de prisão perpétua, o tribunal reexaminará a pena para determinar se haverá lugar à redução".
É que não existe qualquer sentido predeterminado para essa reapreciação - cifra artigo 110.º, n.º 4, do Estatuto -, sendo, pois, em rigor, inantecipável o seu resultado, pelo que o princípio constitucional da natureza temporária, limitada e definida das penas fica sempre interferido pela norma do Estatuto que prevê a prisão perpétua.
9 - De forma coerente com a proibição da prisão perpétua, a Constituição só admite "a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança preventiva ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada" (artigo 33.º, n.º 5). No mesmo preceito