0146 | II Série A - Número 026S | 02 de Outubro de 2002
Escreve-se no documento das GOP: "em termos de aprovisionamento público, e numa lógica de redução de despesa pública, deverá proceder-se ao desenvolvimento de um sistema de compras públicas online". Trata-se, com certeza, de uma ideia interessante e que deveria ser complementada por outras, como, por exemplo, centralização de toda a informação relativa às compras do sector público (produtos e características, fornecedores, preços, etc.), comportamento de fornecedores, níveis de preço praticados para diferentes entidades, etc. Esta informação deveria estar geralmente acessível aos responsáveis pelas aquisições.
A punição da fraude ao Estado - quer por fuga ao imposto, quer por desvio de bens públicos ou corrupção - deve ser absolutamente exemplar e claramente desincentivadora de algumas práticas prevalecentes. Impõe-se que o crime deixe de compensar.
Reforma fiscal
Defende o governo: "um choque fiscal, promovendo designadamente a redução do IRS e do IRC, torna-se absolutamente indispensável para reanimar a actividade económica, fomentar o investimento estrangeiro e conferir melhores condições de competitividade às nossas empresas". A relação entre o choque fiscal e o crescimento económico a longo prazo é controversa. Em qualquer caso, não se vê como possa compatibilizar-se a curto prazo a situação das contas públicas com reduções de impostos, mesmo que se entre em conta com a necessária melhoria das cobranças e do combate à fuga.
A este propósito o CES salienta que o montante das dívidas ao fisco, de acordo com as estatísticas fiscais, atingiam nos finais de 2001 12,7 mil milhões de euros e, de acordo com o último valor disponível (já de 1999!), as dívidas à segurança social rondavam os 2,2 mil milhões de euros. O CES expressa perplexidade pela ausência de medidas e metas calendarizadas para a cobrança destas dívidas.
Informa-se que "a política orçamental continuará a pautar-se por esforços de consolidação orçamental através, designadamente, da implementação de reformas estruturais e da contenção rigorosa do crescimento da despesa pública, de modo a que o défice público mantenha uma trajectória descendente em 2003. Entre as medidas que irão ser prosseguidas destacam-se, ao nível da receita, a reforma da Administração Tributária, com vista ao reforço da luta contra a evasão fiscal e a reforma da tributação sobre o património imobiliário e, ao nível da despesa, a contenção da despesa (partilhada entre todos os subsectores do Sector Público), bem como a racionalização, reestruturação e modernização da Administração Pública".
Tem o CES advogado a realização de reformas estruturais e explicitado algumas prioridades e condicionalismos envolventes. Identicamente tem advogado uma maior contenção e racionalização da despesa e um maior combate à fuga fiscal, pelo que, em termos genéricos, perfilha os pontos de vista do governo.
Na área fiscal, o levantamento dos problemas e a identificação das principais orientações/medidas para a sua resolução encontra-se efectuado há já bastante tempo. Contudo, e apesar de alterações pontuais introduzidas nos últimos anos, não tem existido o empenho necessário para empreender a necessária reforma fiscal.
Em matéria de fraudes e de fugas não se compreende o quase total descontrolo com que sociedades off-shore podem ser detentoras de amplos patrimónios, mobiliários e imobiliários. A dimensão do problema impõe a fixação de presunções tendo como destinatários os efectivos beneficiários dos bens em causa.
As actuais imperfeições do sistema fiscal fazem recair a carga fiscal de modo muito desigual entre o capital e o trabalho e entre os cidadãos em geral. O desagravamento fiscal dos rendimentos do trabalho por conta de outrem não tem tido o devido tratamento. A actualização dos escalões do IRS não tem acompanhado a evolução da inflação o que se tem traduzido em aumento significativo de taxas reais para determinados níveis de rendimento.
Também a nível de sectores económicos se detectam níveis de carga fiscal muito díspares, sem qualquer justificação ou racionalidade económica, pelo que deveria objectivar-se a situação produzindo e publicitando os elementos estatísticos relevantes e tomando as medidas correctivas adequadas.
Torna-se necessário atender adequadamente à competitividade do sistema fiscal, não só na perspectiva interna (comparação inter-sectorial da carga efectivamente existente), como na externa (visando assegurar a concorrencialidade das produções nacionais no exterior).
Não é conhecido um mecanismo de controlo dos abates e perdões fiscais (por vezes de montante elevadíssimo), e o contencioso fiscal continua a dar a mesma prioridade aos pequeníssimos e pequenos casos e aos de importância muito avultada. É do conhecimento generalizado que alguns cidadãos, com níveis de vida muitíssimos elevados, não pagam impostos ou os pagam ao nível de cidadãos que pouco ultrapassam os limiares de pobreza, o que para além de eventuais fugas e ilegalidades tem de ter-se por socialmente inaceitável e mesmo escandaloso.
Não obstante algumas melhorias introduzidas, persiste uma larga prática de fraudes e evasões resultante em grande medida da pouca eficácia da fiscalização tributária e do contencioso fiscal, com inevitáveis consequências negativas quanto à igualdade dos cidadãos perante a lei e à efectiva garantia dos seus direitos.
É sobejamente reconhecida a elevada fraude e evasão fiscal em sede de IRC. Um número demasiado elevado de empresas (quase metade) não cumpre as suas obrigações fiscais ao não entregar a respectiva declaração de IRC e, daquelas que a entregam, uma margem excessivamente elevada declara prejuízos.
Não se compreende que o Estado não disponha dos meios suficientes e necessários para conhecer o património dos sujeitos fiscais e respectivos rendimentos, de acordo com modelos e práticas há muito vigentes em países da OCDE e da União Europeia, ou que não obtenha informação universalmente disponível e facilmente acessível como é o caso dos valores efectivos das transacções imobiliárias. O CES entende que a confidencialidade deve existir para salvaguarda da individualidade e de interesses legítimos - e, nessa perspectiva, defende-a e não para cobertura de ilegalidades e de lesão à colectividade (como é o caso da fuga ao pagamento do imposto).
Haverá, assim, que operacionalizar a "aplicação justa e efectiva da política fiscal, de forma a reduzir drasticamente os fenómenos da evasão fiscal e da economia paralela, nomeadamente através da proibição da concessão de incentivos ou benefícios fiscais às pessoas singulares ou colectivas que hajam sido condenadas pela prática de crimes tributários" e de recurso a outros meios.