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2324 | II Série A - Número 056 | 09 de Janeiro de 2003

 

A situação orçamental de partida considerada pelo Governo não se revela consistente. Essa falta de consistência constitui, desde logo, uma fragilidade significativa deste programa.
Se é verdade que a trajectória apontada no PEC para o défice é desejável, também não é menos verdade que o País não poderá aceitar a manipulação dessa variável à custa de sucessivas operações extraordinárias e de alterações de critérios contabilísticos com a exclusiva finalidade de simular a execução dos orçamentos votados na Assembleia da República, no sentido de ocultar graves falhas de execução, transformando-as em pretenso cumprimento dos orçamentos aprovados. A credibilidade da consolidação financeira é incompatível com esses métodos. Procedimentos dessa natureza colocam a gestão das finanças públicas à mercê de golpes falsamente milagreiros e destroem a confiança.
Para que a situação de partida para este Programa seja aceitável é necessário que o Governo esclareça os portugueses acerca do conjunto de valores que integram este exercício no que respeita a 2002.
Nomeadamente importa clarificar:
- Como se registou um significativo acréscimo de fundos comunitários quando o investimento caiu significativamente.
- Qual o impacto orçamental do Serviço Nacional de Saúde, dos fundos e serviços autónomos, dos défices das empresas públicas e das contas das autarquias locais e regiões autónomas.
- Qual o impacto financeiro da dívida transitada para 2003 em diversas áreas da administração.
Sem cabais esclarecimentos sobre a dimensão efectiva do défice de 2002, esta fragilidade só será plenamente ultrapassada caso o Governo assuma o compromisso da certificação e da aferição das contas de 2002 pelos mesmos procedimentos e critérios utilizados para as contas de 2001 e anos anteriores, considerando a totalidade da informação disponível, designadamente as contas de gerência.
O Programa torna claro que as estimativas para 2003 constituem uma importante revisão de todo o quadro macro-económico e orçamental aprovado pela maioria há poucas semanas, o que retira credibilidade ao Orçamento do Estado para 2003, antes mesmo da sua entrada em execução.
Esta realidade é particularmente evidente na revisão em baixa do crescimento do PIB. Um mês após a aprovação do Orçamento do Estado para 2003, e ainda antes da sua entrada em execução, o Governo vem agora alterar de novo o cenário macro-económico com uma substancial revisão para baixo da projecção do crescimento para 2002 e 2003. Este cenário é o quarto apresentado em nove meses, o que vem comprovar que o cenário do Orçamento do Estado se destinava a suportar uma projecção de crescimento da receita fiscal claramente acima do expectável.
É por esta razão que a revisão efectuada é particularmente sensível do lado da quebra da previsão das receitas fiscais, a qual implica correcções da política orçamental que o Governo não explicita. Face ao Orçamento do Estado para 2003, o Programa prevê uma despesa corrente inferior em cerca de 1100 milhões de euros. Nada se diz sobre o modo como vai esta redução ser concretizada.
O cenário para 2003 continua, no entanto, a ser pouco credível, principalmente depois de se estarem a fazer sentir de uma forma brutal os efeitos negativos nas expectativas dos agentes económicos do clima de crise fortemente empolado pelo discurso e pelas políticas do Governo.
Mesmo no que respeita à inflação, o cenário estimado é pouco credível. A inflação adquirida para 2003 é já de 2 pontos percentuais, valor que implicaria variações nulas da taxa em cadeia ao longo de todo o ano de 2003.
Paralelamente, parece também demasiado optimista o esforço antecipado de redução do consumo público. Com efeito, o cenário base contempla variações negativas do consumo público de cerca de 0,5% ao ano no período, com uma queda de 0,5% em termos reais já em 2003. Mais uma vez, o Governo não explicita como pretende concretizar esta redução, sustentando que está a efectuar um esforço da consolidação da despesa pública quando a despesa corrente primária aumenta 8,1% em 2002 e o seu peso no PIB cresce igualmente em 2003 - o que é bem ilustrativo do contrário.
Por outro lado, estando comprometida a base de avaliação em 2002, os valores apresentados para 2003 estão eles próprios sujeitos a dúvida. Aliás, se tal não bastasse, o PEC projecta um crescimento em 2003 das receitas não fiscais de 12,8%, o que, atendendo ao volume de receitas extraordinárias em 2002, faz supor um novo volume importante de operações financeiras extraordinárias. Não é credível, nem seria aceitável, que o valor requerido possa ser atingido, como se diz no texto, através do "(...) aumento das taxas cobradas pela prestação de serviços públicos nos diferentes sectores, em particular na saúde e educação, de um aumento de eficiência na cobrança e da criação de novas taxas, nomeadamente no sector agrícola".
De qualquer modo, importa conhecer as estimativas de receita previstas com o aumento das citadas taxas.
4 - A estratégia de médio prazo do PEC tem de integrar o combate à fraude e evasão fiscais, o combate ao desemprego e a defesa do investimento público.
No que respeita à estratégia de médio prazo, é dada escassa relevância e prioridade ao combate à fraude e à evasão fiscal.
Ora, o PEC é totalmente omisso em medidas concretas de alargamento da base tributária e de combate à evasão e à fraude fiscal.
A redução do IRC, prometida para 2003, é adiada para 2004/2006, e não está associada a qualquer selectividade sectorial ou a programas de apoio à inovação tecnológica, à requalificação ambiental ou à qualificação dos recursos humanos.
É indispensável a indicação das áreas de reforma fiscal até 2006, designadamente em domínios como a tributação do património ou do sector automóvel, com indicação dos interesses a tutelar no quadro do objectivo de neutralidade para a receita fiscal. De facto, a neutralidade da receita fiscal, só por si, não garante a justiça tributária, não se podendo excluir o agravamento da iniquidade social em casos significativos.
Também não se considera aceitável que a perda de peso das despesas de capital no PIB até 2003 corresponda a quase mil milhões de euros. Aliás, o peso no PIB do investimento do sector público administrativo projectado pelo Governo cai em todos os anos de 2003 a 2006.
Trata-se de uma consolidação orçamental feita, do lado da despesa, com um importante recurso à redução do peso das despesas de capital no PIB, o que anuncia a continuação de uma política divorciada do necessário estímulo à retoma económica e à convergência real.