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0014 | II Série A - Número 020 | 03 de Dezembro de 2004

 

O segundo factor evidencia-se na constatação de que o processo penal é, por natureza, direito regulamentar de lógicas de conflito de interesses, de posições e de direitos no domínio mais sensível da realização dos valores e de princípios constitucionais e que qualquer equilíbrio a alcançar, em homenagem à proficiência da justiça e à garantia dos direitos dos cidadãos, é sempre o resultado de um esforço de harmonização nunca integralmente conseguido.
A preocupação política de base assenta, por tudo isso, no firme propósito de contribuir para que, como até aqui, a reforma do processo penal seja entendida como deve: uma oportunidade de aperfeiçoamento de regras fundamentais destinadas a assegurar uma aplicação do direito e um funcionamento das instituições judiciárias com parâmetros de elevada exigência ético-jurídica, qualidade técnica, rigor de procedimento e garantia efectiva de plena aplicação do estatuto dos sujeitos e dos direitos e deveres dos demais intervenientes processuais. Na certeza de que só assim se garantirá o fundamental - a confiança dos cidadãos no funcionamento da justiça, tanto no plano da eficácia do combate ao crime como no do tratamento devido a cada cidadão cuja situação jurídica se mostre afectada no âmbito de um processo.
O desafio do aperfeiçoamento da justiça processual penal, que é, por natureza, direito constitucional em acção, corresponde, assim, plenamente, a um desafio de aperfeiçoamento do próprio funcionamento do Estado de direito democrático. E é como tal que o entendem os subscritores do presente documento orientador. Abertos, naturalmente, ao exame crítico das orientações que propõem e à reflexão constante sobre os melhores caminhos a prosseguir.

II - Caracterização do modelo jurídico-constitucional do processo penal

Qualquer linha de orientação para uma reforma do processo penal - para se revelar consistente e não redundar em meras alterações cirúrgicas que, obedecendo aos ventos do momento, corra todavia o risco de deixar intocado o cerne dos problemas carecidos de solução - carece de previamente identificar os contornos essenciais do modelo de que parte para poder afirmar com plena consciência o que visa manter e aperfeiçoar ou modificar e porquê.
Em síntese, a identificação dos principais vectores do paradigma processual vigente permite sublinhar:

- Uma dimensão tentativamente compromissória do processo entre uma fase inicial dominada pelo princípio do inquisitório (a do inquérito), uma fase subsequente e facultativa de instrução, só parcialmente contraditória (na audiência), e uma fase final de julgamento subordinada aos princípios do acusatório, da publicidade, do contraditório e da imediação;
- Uma justificação do modelo tendo por base o entendimento de que o processo penal não é um processo de partes mas de sujeitos, com estatutos específicos face à sua posição no processo, onde avulta a responsabilidade do Estado em prosseguir a punição dos crimes, e de que a equidade constitucionalmente devida se alcança pela adequação entre si das várias fases do processo e a garantia de, na primeira delas, os actos que afectarem direitos individuais se encontrarem subordinados ao controlo judicial do juiz de instrução;
- O primado conferido à aplicação do princípio da legalidade, em particular pela incumbência dada ao Ministério Público de prosseguir a acção penal e abrir inquérito em razão da possível verificação de qualquer crime, com imediata constituição de arguido em relação a todo o suspeito ou denunciado pela eventual prática de um ilícito criminal;
- A aposta do legislador em modalidades de aplicação processual distinta em atenção à graduação da gravidade da criminalidade, numa conciliação procurada entre eficácia e celeridade processual, particularmente identificada nas formas especiais do processo, visando mais flexibilidade e urgência nas pertinentes tomadas de decisão;
- Uma visível abertura a soluções específicas de oportunidade e consenso como as que se ilustram nas figuras da suspensão provisória do processo ou do processo sumaríssimo onde avulta a importância conferida à aplicabilidade de medidas de ressocialização ou de sanções alternativas à prisão;
- A garantia do duplo grau de jurisdição penal, tanto em matéria de facto como em matéria de direito.

III - Avaliação da prática judiciária do modelo processual

A generalização dos depoimentos orientados para a verificação de uma crise latente na administração da justiça penal, ainda que com graus de avaliação de distinta intensidade, permite