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27 | II Série A - Número: 130S1 | 7 de Setembro de 2007


interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.os 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa); e, no plano das relações internas, o Estado e as demais entidades públicas poderão ainda accionar a responsabilidade civil, criminal e disciplinar dos seus funcionários e agentes pelas acções e omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício (artigo 271.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). Nestes termos, a responsabilidade específica do funcionário e agente público pressupõe uma conexão funcional com o serviço, não podendo estar em causa simples comportamentos privados, nem bastando uma relação indirecta ou ocasional com o serviço (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, pág. 952).
Assim se compreende que, contrariamente ao que resultava do antigo estatuto disciplinar de 1943, o actual regime legal tenha passado a definir a infracção disciplinar como o facto praticado «com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função», tendo deixado de a caracterizar como uma infracção desse tipo a violação de deveres sociais e, portanto, a simples a contravenção de deveres inerentes à vida privada do funcionário (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, no confronto com o artigo 2.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32659, de 9 de Fevereiro de 1943).
No caso vertente, o que está em causa é a prolação pela administração tributária de uma decisão procedimental que implica a sujeição do contribuinte a uma avaliação indirecta da matéria tributável, quando se considerem verificados os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, e que se traduzem na possível divergência entre a situação declarada pelo interessado, para efeitos tributários, e os meios de fortuna que externamente evidencie. Essa decisão, de natureza administrativa, é susceptível de recurso para o tribunal tributário, por parte do contribuinte (artigo 89.º-A, n.º 6), que poderá desde logo discutir, por essa via, a validade dos indicadores que serviram de base à avaliação indirecta. Por outro lado, a decisão, para além de poder ser revista jurisdicionalmente, não indicia em si mesma a prática de qualquer comportamento disciplinarmente censurável. Isto é, o que se pretende que seja comunicado ao serviço ou entidade administrativa com competência disciplinar sobre o contribuinte-funcionário não é a ocorrência de quaisquer factos indiciários de faltas ou irregularidades cometidas no âmbito da relação de serviço de que se tenha tomado conhecimento no âmbito de um procedimento tributário, mas unicamente a decisão (adoptada nesse procedimento) de que resulta para o interessado uma certa consequência fiscal.
E o que é importante notar é que essa comunicação é impulsionada por uma situação da vida particular do funcionário, como é o facto de este, enquanto mero cidadão, se ter relacionado com a administração no âmbito de uma relação jurídica tributária.
O comando contido na referenciada norma do n.º 10 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária evidencia, como bem se vê, uma injustificável permeabilidade entre a relação jurídica tributária e a relação de serviço, e coloca o funcionário ou agente administrativo numa situação mais gravosa de qualquer outro cidadão contribuinte, sem que para isso subsista um fundamento material válido.
É patente que não há uma qualquer equivalência entre a sujeição comum de qualquer cidadão de vir a ser objecto, fundada ou infundadamente, de uma denúncia que envolva a eventual instauração de um processo sancionatório, e a situação particular do funcionário que, apenas pelo facto de o ser, passa a ter um tratamento diferenciado em relação a qualquer outro cidadão contribuinte, a ponto de a sua inclusão numa certa situação fiscal vir a desencadear, não apenas as consequências que estão definidas, em geral, para todos os contribuintes, mas também a suspeição do envolvimento em irregularidades em termos de justificar a abertura de um processo de averiguações.
É claro que um tal processo de averiguações, tendo por base uma decisão de procedimento tributário que prefigura uma divergência entre os meios de fortuna que o funcionário ostenta na sua vida privada e a declaração de rendimentos para efeitos fiscais, apenas pode ter como objectivo a indagação de factos que possam indiciar a obtenção de ganhos ilícitos — e que, por isso, se relaciona directamente, não com quaisquer considerações de interesse público que possam justificar uma reorganização dos serviços ou uma modificação do seu funcionamento, mas com a própria posição jurídica do funcionário. E neste plano de análise, o que interessa reter — conforme se deixou já esclarecido — é que não é uma simples decisão administrativa incidente sobre a situação fiscal do contribuinte, desligada de factos indiciários da prática de infracção disciplinar (que, a existirem, justificariam a instauração de processo disciplinar e não de mero processo de averiguações), que pode vir a interferir ao nível na relação de serviço, quando o contribuinte detenha também a qualidade de funcionário. Isso porque, como também se anotou, não é o presuntivo incumprimento de um dever fiscal (por não correspondência entre os rendimentos declarados e os rendimentos efectivamente existentes) que pode constituir, por si, uma infracção disciplinar.
De outro modo, a aceitar-se uma diferença específica com base no estatuto profissional dos contribuintes, sempre se poderia perguntar por que é que idêntico regime não é tornado extensivo a qualquer trabalhador activo, que, mesmo que inserido numa relação de trabalho de direito privado, está igualmente sujeito ao poder disciplinar da entidade empregadora.
Por tudo, entende-se que a parte final da norma do n.º 10 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, na redacção introduzida pelo Decreto n.º 139/X, da Assembleia da República, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República, enquanto determina uma diferenciação entre cidadãos, com base em condições meramente subjectivas, e potencia, nesses termos, uma desigualdade na